A arte do bom senso. Por José Paulo Cavalcanti Filho
Falta isso, no Brasil de hoje. Mais Democracia. Nosso Presidente da República deveria atuar com mínimos de equilíbrio e não consegue. É biológico. E muito ruim. Secretários, Prefeitos e Governadores, muitos, Ministério Público e Tribunais de Contas mostram, usaram boa parte dos recursos da covid para fins diversos, e parte foi para seus bolsos. Pode?
O Presidente da República fez um sermão zangado contra os que criticam a gestão da pandemia, pelo Governo. Pedindo que não contassem com ele para desencadear crises políticas ou dizer que o atual Governo integra, em postos-chaves, notórios incompetentes na função. Ou defender que o Governo se desembarace dos incompetentes, dos que só lá estão porque não servem ao país. Não, o Presidente não tem razão nenhuma para nos pedir para continuar a ser pacientes, silenciosos e acomodados. Uma coisa que não se deve dizer é que os cidadãos não ajudaram o Governo. Mesmo quando muitos dos seus erros foram de pura soberba, de preconceito ideológico ou de manha propagandista.
Perdão, amigo leitor, se pensa que o texto é deste pobre autor. Ou que se refere ao Brasil, e teriam todas as razões do mundo para acreditar nisso. As palavras são do maior romancista português, Miguel Souza Tavares. Autor de Equador, a história de um dândi que acabou governador das ilhas de São Tomé e Príncipe, na costa da África. E do livro mais vendido por lá, nos últimos dois anos, Cebola Crua com Sal e Broa; em que narra sua trajetória, desde a infância paupérrima, se alimentando disso (título do livro), com o pai sempre nas prisões de Salazar. Fosse pouco, é também filho da deusa de poesia portuguesa, Sophia de Mello Breyner Andressen. Li seu artigo (E vamos calar-nos por quê, senhor Presidente?) e mandei mensagem: “Depois diga, por favor, o que disse MRS”. Marcelo Rebello de Sousa, Presidente da República, todos sabem. A resposta veio logo. “Satisfazendo sua curiosidade, o homem ligou para mim, antes mesmo de o jornal sair, tendo lido o texto on-line, à meia-noite e meia – suas horas habituais. Declarou que eu tinha toda razão, pois os portugueses tinham muitas razões para estarem zangados! É um ás!” Fim de qualquer problema, entre os dois. O crítico ficou satisfeito pelo respeito que mereceu. O Presidente exercitou o que mais sabe fazer, a arte de conviver bem. E, creio, não receberá outras críticas desse jornalista. Em resumo, seguiu a vida por lá. Sem maiores atropelos.
Falta isso, no Brasil de hoje. Mais Democracia. Nosso Presidente da República deveria atuar com mínimos de equilíbrio e não consegue. É biológico. E muito ruim. Secretários, Prefeitos e Governadores, muitos, Ministério Público e Tribunais de Contas mostram, usaram boa parte dos recursos da covid para fins diversos, e parte foi para seus bolsos. Pode? A propósito, lembro o Padre Vieira (Sermão do Bom Ladrão), “Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador?”. E todos, sem exceção, estão mais preocupados com seus interesses eleitorais. Não só eles. Críticos deveria ser menos comprometidos com a política. Juízes, julgar só nos autos. Tribunais devem ser verdadeiros tribunais, julgando só em decisões colegiadas; abandonando o horror das decisões monocráticas que faz, por exemplo, o Supremo ser 11 Supremos, com frequência incoerentes entre si. Jornalistas, fazer jornalismo, em vez de só pregar o impeachment. Tudo vai mal, é triste. O português Ruy Guerra, um dia, escreveu: “Ai, essa terra ainda vai cumprir seu ideal. Um dia vai tornar-se um imenso Portugal”.
Quem dera.
José Paulo Cavalcanti Filho – É advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade. Vive no Recife.