Hora da esperança ou Vamos refundar o Brasil. Por Alexandre H. Santos

HORA DE ESPERANÇA

ou

VAMOS REFUNDAR O BRASIL

ALEXANDRE HENRIQUE SANTOS

Não haverá futuro para o Brasil sem educação, saúde, transporte, vestimenta, habitação, saneamento básico…, e essas coisas não caem do céu. Precisamos com dramática urgência encarnar a esperança e traduzi-la em atitudes e ações realistas e solidárias. Essa é a esperança, e sem ela não criaremos soluções.

“Os povos vivem sobretudo de esperança.

 Suas revoluções têm por objetivo substituir com esperanças novas as antigas que perderam sua força.”

Victor Hugo

Só os leitores mais velhos entenderão a referência, mas eu explico. O “Samba do Crioulo Doido” foi composto em 1968 por Sérgio Porto, escritor e jornalista carioca mais conhecido pelo pseudônimo Stanislaw Ponte Preta. Fez sucesso nas vozes do Quarteto em Cy e dos Demônios da Garoa. A letra satírica descreve o sujeito que faz uma confusão enorme com os personagens e fatos históricos do Brasil. Tem a intenção de nos fazer sorrir; mas, cá pra nós, também pode nos fazer chorar. É, chorar. Pois infeliz do povo que desconhece sua história e suas raízes. Outra vez, cá pra nós, são milhões os brasileiros que ignoram nosso passado, o recente e o remoto. Desconhecem – e não sabem que não conhecem – como viemos cavando e nos metendo, ao largo do tempo, nesse buraco cuja profundidade parece não ter fim.

Lembro da leitura d’Os donos do poder, clássico de Raymundo Faoro, quase meio século atrás. Para tentar entender, com sua brilhante visão weberiana, os elementos do cenário brasileiro, o professor não cedeu à preguiça intelectual, e foi buscar conexões da nossa tradição burocrática na própria formação do estado nacional português. Quer dizer, o país que até hoje forma mais advogados do que médicos, engenheiros, arquitetos, filósofos e cientistas, cuja ampla vastidão de patrícios permanece nas trevas do analfabetismo real ou funcional, colhe o que plantou: uma casta jurídica anacrônica, corrupta e ultra corporativa. Das mafiosas dinastias cartoriais à nata do STF, o cipoal juridiquês justifica porque está na moda – quero dizer, tornou-se de bom tom nas reuniões virtuais – baixar o pau no Poder Judiciário.

Das mil razões para se criticar os togados, se destacam o nepotismo, a arrogância vitalícia e a cascata de interesses escusos, salários astronômicos e benefícios obscenos. Contudo, sejamos realistas: qual dos outros Podres Poderes (Obrigado, Caetano!) pode atirar a primeira pedra? Na esfera do executivo federal, dou um exemplo mignon, mas super emblemático: Bolsonaro prefere ficar nervosinho, fazer cara feia e encerrar a entrevista do que explicar aos brasileiros o motivo do cheque de Queiróz na conta da Primeira Dama. No Legislativo, semana passada, o Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, recompensou a tchurma (sic) que o conduziu ao posto com uma singela canetada: aumentou para R$135.400,00 o auxílio saúde próprio e dos seus colegas. Fez isso sem sequer ruborizar. Mais grave, fazer isso durante a crise sanitária decorrente da pandemia é o suprassumo do escárnio com a população brasileira.

Nessa gincana dos apaniguados os militares, que constituem o Quarto Poder aqui em Pindorama, não gostam de ficar para atrás. Se choveram críticas ao PT por aparelhar o Estado, o Capitão parece ter gostado do, digamos assim, modus operandi; e chama as Forças Armadas de “meu Exército”. Jamais tivemos na história republicana tantos fardados em postos-chave de um governo supostamente civil. Não parece má ideia se além do contracheque o militar puder auferir uma graninha extra vinda do meu, do seu, do nosso. Está claro que isso nada tem de errado; mas não é a melhor conduta de quem deveria se orgulhar de servir à Nação “apenas” com seu soldo. É legal, sim; mas nada tem de ético. O trabalho do professor e pesquisador de História Pedro Henrique Pedreira de Campos, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, desconstrói a ingenuidade dos que acreditam em Saci-Pererê, e afirma que “a ditadura militar foi um celeiro de corrupção!” É pura ficção acreditar que só por ser militar a pessoa é mais honesta e patriota do que qualquer outro cidadão. Hoje o planeta sabe de aviões da Força Aérea Brasileira servindo de mulas para o tráfico internacional de cocaína.

Poderia seguir com o rosário de tristes relatos; mas não faz falta. São visíveis os sinais de metástase em todos os segmentos da sociedade. Não se trata de ser rico, pobre ou classe média; não se trata de ter diploma ou ser iletrado. Os maiores bandidos são articulados, têm ótima aparência, bons modos, currículo impecável – além, of course, de uma penca de advogados cúmplices. Nunca foi tão complicado discernir e separar o joio do trigo. Os fatos conspiram para que não vejamos nenhuma luz nesse poço obscuro. A onda de depressão que acomete os brasileiros assume a forma de uma verdadeira “pandemia paralela”.

No entanto, por incrível que possa parecer, nós temos o poder de mudar. Não precisa ser necessariamente assim; pode ser diferente. Nosso passado e nosso presente nos condicionam, está claro; mas não nos impõem o futuro. Apesar dos pesares, é possível escolher um roteiro melhor para nós mesmos e para o Brasil. Não digo que essa possibilidade seja nítida, simples ou fácil; nem que esteja isenta de obstáculos e sacrifícios. Mas o que pode nos servir de inspiração e alento, quando tantos parecem já ter sucumbido?

                                  Pandora

A esperança. Sim, a esperança! E vale relembrar a metáfora: libertos de onde estavam confinados, pela curiosa e imprudente Pandora, os males ganham o ar e se dispersam pelo mundo. Tão logo a Primeira Mulher se dá conta do erro cometido, se apavora. É quando nota que algo restou no fundo da caixa, o único Bem que os deuses haviam colocado ali. A esperança é o antídoto efetivo contra os males que ora nos afrontam.

Os que cultivamos a esperança precisamos refundar o Brasil. E convém ter claro que refundar o Brasil se assemelha ao plantio de tâmaras: é um gesto de doação e altruísmo para com as gerações futuras. O lavrador que planta tâmaras não colhe tâmaras! Quem decidir abraçar essa causa necessita ter grandeza de espírito, pois sabe que não viverá o suficiente para colher da árvore que plantou. Vejo a refundação do Brasil como uma tarefa de total e completo desprendimento. É um exercício espiritual de compaixão com os brasileiros que ainda hão de nascer. É um ato declarado de amor aos próximos, mas sobretudo de amor aos distantes.

Sem a união solidária das forças progressistas, acima dos egos e das ideologias, nada disso será possível. Nós não necessitamos de mais armas, autoritarismo e ameaças de violência. Necessitamos união. Nenhum país na História superou suas misérias sem investir maciçamente nas necessidades primárias da população. Não haverá futuro para o Brasil sem educação, saúde, transporte, vestimenta, habitação, saneamento básico…, e essas coisas não caem do céu. Precisamos com dramática urgência encarnar a esperança e traduzi-la em atitudes e ações realistas e solidárias. Essa é a esperança, e sem ela não criaremos soluções.

Apenas vale ressaltar – e a História mostra isso com exaustão! – que sem democracia, as soluções causam mais danos do que os problemas que pretendem resolver. Levando tudo isso em conta, que tenhamos a coragem de encarnar a esperança.

Vamos refundar o Brasil!

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Foto: @catherinekrulik

*Alexandre Henrique Santos – Atua há mais de 30 anos na área do desenvolvimento humano em e para grandes corporações.  É terapeuta e coach. Mora em Madri e realiza workshops presenciais e à distância. É meditante, vegano, ecologista. Publicou O Poder de uma Boa Conversa e Planejamento Pessoal, ambos editados pela Vozes..

Contato: alex@ndre.com.br

2 thoughts on “Hora da esperança ou Vamos refundar o Brasil. Por Alexandre H. Santos

  1. Ótimo texto!
    A refundação do país passa longe, muito longe daquele que, à esquerda se apropriou de valores democráticos como se seu fossem, apodreceu um partido que nasceu honesto e bom e institucionalizou a corrupção no país.
    Passa também longe, muito longe daquele outro que macaqueou seu oponente e se apropriou de valores caros aos republicanos e inventou um arremedo de direita para chamar de seu – e que nada dela tem.
    Ambos arrivistas são faces de uma mesma moeda falsa, esperta e vagabunda de três reais.
    Semelhantes, se igualam na esperteza rasteira que engana, de ambos os lados muita gente honesta e crédula.

  2. Apoio essa ideia! Muito bom! Talvez seja mais fácil refundar do que consertar! Tem muitas peças quebradas, está difícil achar para repor.
    Esperança o brasileiro diz que tem. Mas isso até hoje não foi colocado em prática. As pessoas, em geral, costumam aguardar as coisas caírem do céu. Por isso, precisamos de união!

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