Circos. Por José Paulo Cavalcanti Filho
O Gran Circo Hong Kong estava armado numa favela, em Serrambi. Entrada baratinha, 5 pratas, com direito a tudo que se tem direito em circos que lembram os da nossa infância. Menos o picadeiro. Antes, pó-de-serra; hoje, só uma lona velha. Nesse, trabalhavam 6 pessoas. Antes da sessão, um cuidava da bilheteria, outro das entradas, os demais vendiam pipoca, bombom, algodão-doce. Trabalho solidário. A noitada começou com Roberto, o equilibrista do arame. Apesar da malha preta rasgada, e do sapato roto, não caiu. Aplausos. Depois, se transformou no palhaço Biribala. E ainda teve fôlego para se exibir, no fim da sessão, como domador de animais. Só que, estando o custo de vida pela hora da morte, um circo desses não iria conseguir mesmo pagar nem um pedaço da carne exigida por animais de grande porte ‒ como tigre ou leão. E o pobre Roberto, domador de tantos dotes, teve que se contentar em trabalhar com um mero bode. O bodinho Edmundo, como berrava entusiasmado o locutor.
Depois veio Mister Carlos, o homem de gelo. Que engolia fogo rebolando de um jeito que sei não. E soltava labaredas, com o auxílio do querosene que guardava em uma latinha de Skol. De vez em quando, um gole d’água para limpar a boca. Atrapalhou-se e, em vez de água, bebeu foi o próprio querosene. E quase morreu. Melhor fez o palhaço Espoleta, bem novinho, 6 anos (por aí). Tinha olhos tristes. Dia seguinte o vi brincando, na areia, com um carrinho de plástico azul. Difícil imaginá-lo distante desse ofício de criança que é o de brincar sem receios do futuro. Joseane, a mulher dos cabelos de aço, entrou correndo e foi logo se jogando para plainar sobre as cadeiras de plástico da plateia. Divina e majestosa. Só que o locutor (um certo França), e mais Mister Carlos (o tal homem do gelo), deveriam ter puxado a corda presa em seus cabelos, garantindo a decolagem. Mas estavam conversando e nem prestaram atenção em Joseane, coitada. Deu tudo errado. E a pobre acabou se esborrachando em meio ao distinto público. Por fim apareceu Gardênia, a indefectível vedete que sempre anima circos de interior. Dublando música de duplo sentido. Dublando, aqui para nós, é exagero. Abrindo a boca, seria uma descrição mais fiel do seu número. Pena só que o tempo já de muito havia passado, para Vovó Gardênia.
Comparo tal circo aos que agora se exibem, no Planalto Central. Diferentes, embora. Que, num, gente humilde tenta sobreviver com seu trabalho digno. Enquanto, nos outros, sobra só a sanha de se exibir, a qualquer custo, nas TVs. A esperança de prescrição dos seus processos, no Supremo. A preocupação em proteger parceiros, acusados de corrupção, nos estados e municípios. E um exagero do sabe com quem estão falando?. Sabemos, senhores. Sabemos.
Muito pertinente a associação! De fato! Um tem lona e elenco baratos, trajando cetim fuleiro e gasto. O “outro”, um teto de Oscar Niemeyer, ternos sob medida e/ou fardas engalanadas! O primeiro, sua para receber um mísero salário a cada dois meses . O outro? Assalta o erário!