Vulnerabilidade cria um cenário distópico para a humanidade. Por Aylê Quintão
VULNERABILIDADE CRIA UM CENÁRIO DISTÓPICO PARA A HUMANIDADE
AYLÊ-SALASSIÉ QUINTÃO
…o cenário é distópico – vive-se um futuro de forma precária, sofrido, sob regimes autoritários, insanos e falsos, e muita angústia. Com raras exceções, esforços internos conduzem quase sempre a alternativas caóticas e o fim dos grandes sonhos para a humanidade…
O conselheiro médico da Casa Branca, Anthony Fauci, reabriu a semana passada uma discussão altamente delicada. Adiantou, ambiguamente, que Biden passará a defender maior atenção à saúde das mulheres, incluindo direitos sexuais e “à saúde reprodutiva”. É dúvida se o novo governo dos Estados Unidos – terceiro país mais populoso do mundo: 330 milhões de habitantes – não estaria camuflando o reagendamento público de um assunto velho: o controle populacional. Biden aponta fim de aliança antiaborto com Brasil e defende que o tema volte à agenda global.
Um grupo de 30 países, nos quais se inclui o Brasil, recusa-se a discutir em agendas femininas os direitos à saúde, receoso de que poderia significar uma brecha para legitimar o aborto – já aprovado na Argentina -, caminhando na direção da liberdade sexual e, paradoxalmente, do aumento, quase irresponsável, da população . A taxa atual de crescimento da população mundial é de 1,2% ao ano, de um total de 7 bilhões de humanos.
Dez por cento dessa população tem chance de ser infectada pelo coronavírus. A maioria segue “apenas vulnerável”, segundo a Organização Mundial da Saúde. Entretanto, essa vulnerabilidade assusta governantes na China, na Índia, nos Estados Unidos e em outros países por remeter à situações pandêmicas no passado (peste negra, malária, aids e outras). Sinaliza, de acordo com Fauci, a necessidade de uma discussão mais espaçosa sobre o crescimento populacional e o aumento da concentração urbana no Planeta. A Organização das Nações Unidas prevê que, por volta de 2050, a população mundial superará a casa dos 10 bilhões de habitantes.
A China (1,4 bilhão de hab.), com quem Biden espera ter um diálogo mais estreito, silenciosamente, já realiza políticas de controle da fecundidade e da natalidade, com o fim de diminuir o espaço dessa vulnerabilidade e a pressão sobre os recursos disponíveis. Chegou-se mesmo a cogitar de projetos oficiais de concentração urbana, e cidades com até 100 milhões de habitantes. Para os chineses acomodaria o vigoroso processo migratório interno do campo para a cidade.
Não é de surpreender. Projeções da ONU indicam, para os próximos 30 anos, que mais de 100 cidades terão populações superiores a 5,5 milhões de habitantes. Projetos concentradores de população como esses facilitariam a proteção social e contribuiriam para a redução de custos das políticas públicas de transportes, energia, atendimentos à saúde, educação e outros, dizem os técnicos, e não dizem: possibilita o controle político e social interno.
Para o jornal inglês The Guardian, os governos mostram-se incapazes de controlar a expansão das taxas de natalidade e de concentração da população, contribuindo com essa omissão para disseminar a pobreza e a miséria pelo planeta. Em 2100, Lagos, na Nigéria, poderá vir a ser uma metrópole com 85 a 100 milhões de habitantes. Acontecerá, provavelmente o mesmo, com Kinshasa, no Congo; em Kigali, na Ruanda; Bangalore, na Índia. Nesses lugares estima-se em 600 % o crescimento da população urbana até 2100.
A distribuição espacial da população pelo mundo não tem também qualquer controle. A densidade média populacional de ocupação do solo no planeta é de 24,2% por quilômetro quadrado. Mas, por exemplo: Paris tem 21.516 hab. por km; Mônaco 15.470 hab. /km²; o Vaticano, 2.273 hab. /km²; os Países Baixos, 416 hab. /km². No Brasil, o Distrito Federal destaca-se com 423,9 hab. /km²; o Rio de Janeiro, 352,9 hab. /km², enquanto que no Amazonas são 2,05 hab. /km²; e em Roraima, 1,75 hab. /km².
Algumas formulações utópicas indicam que a solução poderia vir da produção agrícola intensiva com o uso de insumos vários, tecnologias, mecanização e gestão especializada. Haveria um aumento calculado da produtividade e a população agrícola migrada para o meio urbano teria assistência mais efetiva, do Estado, contra pandemias e seus efeitos malignos. A fome seria amenizada pela distribuição de cotas de alimento, como já fazem nossos vizinhos.
As políticas públicas populacionais se vêm cada vez mais confrontadas com desafios éticos, tipo: produzir mais para acabar com a fome no mundo (820 milhões de pessoas), envenenar vagarosamente a população pelo uso de matrizes geneticamente modificadas, ou controlar a natalidade de alguma forma. No seu instinto egoísta, o homem criou modelos de vida que ameaçam a estabilidade climática e levam à exaustão dos recursos da terra. Com isso, vem perdendo o controle da sua própria subsistência. Só se assusta diante das pandemias, quando percebe que a vulnerabilidade é extensivamente igual para todos. A sustentabilidade está no campo dos sonhos.
Com relação às políticas populacionais, com coronavírus ou sem ele, o cenário é distópico – vive-se um futuro de forma precária, sofrido, sob regimes autoritários, insanos e falsos, e muita angústia. Com raras exceções, esforços internos conduzem quase sempre a alternativas caóticas e o fim dos grandes sonhos para a humanidade.
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Aylê-Salassié F. Quintão – Jornalista, professor, doutor em História Cultural. Vive em Brasília