Nada do que foi será. Coluna Carlos Brickmann
NADA DO QUE FOI SERÁ
COLUNA CARLOS BRICKMANN
EDIÇÃO DOS JORNAIS DE QUARTA-FEIRA, 2 DE DEZEMBRO DE 2020
Sem discussão: o PT levou uma surra histórica, o bolsonarismo apanhou que nem boi ladrão. Ponto final. Dizer que a esquerda foi demolida é falso: foi derrotada, mas teve quase metade da votação na maior cidade do país, e sem Lula. Marília Arraes teve quase metade da votação no Recife, e contra o filho de um líder político que marcou época, o falecido governador Eduardo Campos. Manuela d’Ávila chegou perto da metade dos votos em Porto Alegre. Boulos, Manuela d’Ávila, Marília Arraes mostraram fôlego eleitoral. Goste-se ou não de cada um deles, todos podem se apresentar sem medo em eleições futuras. Lula perdeu três eleições majoritárias seguidas e só então descobriu o caminho das pedras. Não se pode ignorar a esquerda.
Esquerda, a propósito, é aquele conjunto de partidos que nasceu à sombra do PT e até recentemente funcionava apenas como linha auxiliar. Achar que PSB e PDT são esquerda é praticar o autoengano. Márcio França, PSB de São Paulo, está tão à esquerda quanto Alckmin. João Campos, do Recife, é esquerda-mamãe: até descobrir o que são direita e esquerda, vai depender só de Renata Campos, que, com a morte do marido, comanda a família. Ciro é PDT, diz que é de esquerda. E existe até mesmo gente que acredita.
Quem ganhou a eleição, no fundo, foram os profissionais do MDB, DEM, PSDB, PSD. Deles depende a interlocução do Governo com o Congresso. E terão a grande chance de, caso se unam, derrotar Bolsonaro em 2022.
Má pontaria
Há algum tempo, Bolsonaro cometeu um erro político grave: saiu do PSL e não entrou em partido nenhum. Eleição não é só prestígio: é planejamento, ação local, alianças. O presidente não tem nada disso e, corretamente, tinha decidido não participar das eleições municipais. Mas não aguentou: escolheu alguns nomes marcados para perder.
Crivella no Rio, por exemplo, estava queimado. Russomanno, em São Paulo, tradicionalmente inicia a campanha na liderança e se desfaz no meio do caminho. Tentou ganhar de Kalil em Belo Horizonte, perdeu no primeiro turno. Apoiou a Delegada Patrícia, que estava em terceiro lugar no Recife. Ela caiu para quarto. Mas bolsonarismo é uma coisa e Bolsonaro é outra. Ele não hesitará em juntar-se ao Centrão e, com 20 a 30% do eleitorado que o segue, tentar a reeleição. Por que não?
As lições para 2022
Que é que o resultado das eleições de 2020 nos ensina para 2022? Nada. Falta muito tempo até 2022. Claro, a menos que o vice Mourão se candidate, Levy Fidélix disputará (e perderá) sua 16ª eleição. Tirando isso, é esperar. Em 1992, num simpósio sobre o Brasil nas universidades de Stanford e Berkeley, EUA, o senador Fernando Henrique disse a este colunista e ao jornalista Luiz Fernando Emediato que temia não ter votos suficientes nem para se eleger deputado federal. Dois anos depois, venceria a eleição presidencial no primeiro turno. Em 1974, uma vitória espetacularmente inesperada do MDB, depois de uma série de derrotas, levaria à Câmara até um pintor de paredes, e revelaria Quércia. Dois anos são muito tempo.
O começo do trabalho
Mas, mesmo longe, já há candidatos trabalhando. O governador paulista João Doria reuniu um grande grupo de dirigentes e parlamentares tucanos há dois dias, para discutir a Presidência da Câmara (caso Rodrigo Maia não se candidate à reeleição) e as alianças para 2022. O sonho de Doria é aliar seu PSDB ao MDB e ao DEM. Mas o caminho é longo: Doria gostaria de ser o candidato e boa parte do DEM prefere Luciano Huck (também elogiado pelo patriarca tucano Fernando Henrique). Se conseguirem atrair para a aliança o PDT de Ciro e o PSB da família Campos, será possível estruturar-se para enfrentar ao mesmo tempo o PT (e assemelhados) e o bolsonarismo.
Só que Bolsonaro também quer formar essa aliança, varrendo dela João Doria.
Foi uma brasa, Moro
Quem se colocou fora da sucessão presidencial foi Sérgio Moro: aceitou ser diretor de uma grande firma multinacional de advocacia, que trabalha, entre outros clientes, com OAS, Odebrecht, Queiroz Galvão – algumas das empresas atingidas por investigações e julgamentos da Operação Lava Jato. Tem sua lógica: ninguém conhece melhor os problemas jurídicos das firmas que ele mesmo condenou do que Moro.
Duro é explicar a mudança ao eleitor.
Capitão da mata abaixo
Lembra da propaganda que dizia que o Brasil é o país que mais preserva árvores? Bom, o desmatamento no Governo Bolsonaro bateu novo recorde: subiu 9,5% entre agosto de 2019 e julho de 2020, segundo o INPE, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, órgão do Governo Federal. Desmataram 11.088 km², maior área em 12 anos de medições.
O vice-presidente, general Hamilton Mourão, fez um elogio ao trabalho do Instituto e garantiu que os números foram “menos ruins do que se esperava”: graças ao trabalho federal, disse ele, evitou-se que o desmatamento fosse quase o dobro disso.
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Bom dia, Carlos Brickmann. Nada de novo sob o sol, né?
Moro é um caso peculiar, desses que entram para a história, não necessariamente de forma honrosa. De início, torna-se herói nacional porque põe Lula e M. Odebrecht em cana, coisa inimaginável até então. Os aplausos são merecidos. Depois destrói a própria reputação ajudando a eleger um ser pré-histórico, extremista, ditatorial, preconceituoso, inculto, nepotista, tecnicamente despreparado e moralmente boçal como presidente. Vaias, idem. Como ministro, tornou-se um fantasma devassado com o carimbo Telegram na testa que levava porrada do dono todo dia sem reclamar, e acabou pedindo demissão quando todo mundo sabia que não iria fazer falta nenhuma. Nesse ponto, já estamos na fase da indiferença: Moro… quem…? E agora, como ex-ministro que foi sem nunca ter sido, assume a defesa muito bem remunerada de quem antes condenou com convicção, dizendo que é para “ajudar a fazer o certo”! É quando a indiferença se torna desprezo. Tomara que fique nisso, não vire raiva, mas algo me diz que, não demora muito, Gleisi Hoffmann ainda vai acreditar nessa história de “ajudar a fazer o certo” e investir um dinheirinho do partido na contratação de um novo consultor para ajudar Lula a voltar à ativa. Não me surpreenderia se, em 2022, Lula sair candidato, com Moro na assessoria jurídica do elemento. A essa altura do campeonato, pourquoi pas?