Flores para a amada. Da mais barata, por favor. Blog do Mário Marinho
FLORES PARA A AMADA.
DA MAIS BARATA, POR FAVOR.
BLOG DO MÁRIO MARINHO
Era começo dos anos 1980.
A redação do Jornal da Tarde fechava por volta das duas da madrugada. Mas, por vezes, se alongava.
Entre a redação e o lar havia, no caminho, o Alemão, um bar ali na avenida Antarctica, logo depois do viaduto, antes de chegar à rua Turiassu, hoje Palestra Itália.
Era obrigatório passar por ali e naquela noite fria de junho não seria diferente.
Havia aqueles que tomavam um, dois ou três chopes e iam embora. Outros ficavam. Eu pertencia ao segundo grupo.
Naquela madrugada, sobramos no resistente segundo grupo, eu, o Bill Duncan, o Mário Schwarz e o Sérgio Vaz.
Lá pelas tantas e tantos chopes, alguém se lembrou:
– Caraca! Hoje é Dia dos Namorados. Alguém se lembrou e comprar alguma coisa?
Não, ninguém havia se lembrado.
Estávamos naquele estado etílico pré-bebum, de alta criatividade.
Logo surgiu a ideia:
– Vamos ao Arouche comprar flores?
Ideia vencedora com 100% de adesão.
Quem não é de São Paulo há de pensar que estávamos mesmo muito bêbados, pensando em comprar flores lá pelas quatro da matina.
Então é preciso explicar.
O Largo do Arouche fica na região central da Cidade, perto da Praça da República.
Já teve outros nomes: Largo do Ouvidor, Largo da Artilharia, Praça Alexandre Herculano, Praça da Legião, Tanque do Arouche. O nome atual é uma homenagem ao tenente-general José Arouche de Toledo Rendon, reconhecido por ser o primeiro diretor da Faculdade de Direito de São Paulo e do Jardim Botânico.
No começo dos anos 1950, alguns floristas foram se instalando e o largo se transformou num autêntico mercado de flores que funciona 24 horas por dia.
A praça quadrangular é cercada de lojas charmosas, bares e o tradicionalíssimo restaurante Gato que Ri que se instalou ali em 1951 e até hoje serve deliciosas massas italianas e suculenta feijoada aos sábados.
Além das barracas de flores, a praça tem também diversas esculturas e outras obras de arte. É muito bonita.
Esse é, portanto, o Largo do Arouche com suas floriculturas que funcionam 24 horas por dia.
Os quatro românticos cavaleiros lá chegaram à procura das flores mais mimosas e belas para presentearem as amadas.
Como todos bêbados que se prezes, falavam muito e não chegavam a nenhuma conclusão.
O ponto comum é que todos queriam o mais belo arranjo, a mais bela flor.
Não importava o preço.
Eram bêbados romanticamente generosos.
Como a escolha se mostrava cada vez mais difícil, o florista resolveu dar uma força.
– Não me levem a mal, mas posso fazer uma pergunta?
Claro, concordamos todos.
– A flor é para a esposa ou para a amante?
– Para a esposa, respondemos em desafinado e mal treinado coro.
– Então, é melhor Você levarem daquelas ali, mais simples, mais baratas.
Ficamos indignados.
– Mais baratas? Como assim?
– Se vocês chegarem em casa a essa hora, de fogo e com arranjos de flores daqueles ali de 200, 300 reais, elas vão achar que vocês aprontaram alguma coisa. Que estão com dor de consciência. Pensem bem.
[ATUALIZAÇÃO – 15/6/2020 14H25]
Parêntesis. Os preços aqui citados, na moeda da época, o cruzeiro, seriam o equivalente aos reais de hoje. Fecha.
Olhamos um para o outro e nem foi preciso pensar.
Afinal, o cara era um florista, acostumado com essas situações e não estava bêbado.
– Então, o que você sugere?
– Levem dessa aqui, ó.
E nos mostrou bonitos, porém, singelos vasinhos de violeta.
– Quanto custa? Perguntei.
– 12 reais cada um.
– Só isso? Perguntamos indignados.
– Eu levaria desse, respondeu.
Nos olhamos novamente. Tomei a iniciativa.
– Acho que o cara sabe o que está falando. É melhor a gente seguir o conselho dele.
O Bill, o mais ponderado de todos, foi o primeiro a concordar. Servaz e o Mário seguiram e assim chegamos novamente a 100%.
O florista caprichou na embalagem e não é que o vaso ficou até bonitinho!
Cheguei em casa, a Vera ainda dormia.
Coloquei o vasinho, que, a essas alturas, eu já achava muito bonitinho, no centro da mesa que já estava preparada para o café da manhã.
Acordei lá por volta do meio dia. Tomei banho, fiz a barba e fui tomar o meu café. Lá estava aquele belo vasinho.
Encontrei uma romântica e emocionada Vera que me abraçou forte.
– Você se lembrou! Muito obrigada!
À noite, na redação do Jornal da Tarde, assim que nos encontramos, a primeira pergunta foi:
– E aí? Como é que foi?
As cenas foram as mesmas de amor e emoção.
Ah!, como o amor é lindo.
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Mário Marinho – É jornalista. É mineiro. Especializado em jornalismo esportivo, foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, além de participação em inúmeros livros e revistas do setor esportivo.
(DUAS VEZES POR SEMANA E SEMPRE QUE TIVER MAIS
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Belíssimo texto. Ganhei o dia com a leitura.
e a gente ganha com vc por aqui! B3eijão da sua Marli
Muito bom mesmo o texto a a justificativa.
Que texto delicioso! É um prazer ler um bom texto, com humor.
Tive certa vez uma experiência oposta, faz uns 40 e poucos anos. Fui com um pré-namorado ao Arouche depois de jantar no Terraço Itália. Não lembro o exato número de rosas… só sei que ele me comprou pelo menos umas três dúzias… tudo lindo. Aí chego em casa cansada, super tarde, e tenho que achar vasos para aquela floração toda. Hoje, mais esperta, teria colocado em um balde com água e veria o que fazer no dia seguinte… Mas não naquela noite… a uma certa altura, já estava xingando o rapaz pelo exagero…
O namoro durou pouquíssimo.