Idosos, algoritmo e coronavírus. Por Meraldo Zisman
IDOSOS, ALGORITMO E CORONAVÍRUS
MERALDO ZISMAN
… Negar ao velho o direito de receber a respiração assistida por sua idade, descartando-o, é uma tragédia. Assim funciona o preconceito contra os idosos. Ele, o preconceito, consegue substituir uma realidade complexa com uma simplicidade fictícia. Não há nenhum algoritmo que possa discernir o direito à vida…
Muitas coisas tornaram-se evidentes durante esta pandemia.
Quando nos aproximamos dos 80 anos, a morte já não chega inesperada: ela passa a ser a sombra silenciosa que caminha do nosso lado, que já conhecíamos intimamente, muito antes do encontro final. Assim é a vida, mas sabemos muito bem que os sentimentos de amizade ignoram por inteiro tais considerações, quando choramos a perda de um amigo; nosso luto não se importa com o fato de já esperarmos o desfecho. Logicamente, pessoas da mesma geração, a dos entrados em anos, morrem mais. E por maior que sejam os avanços médicos, um dia todos vamos morrer.
A área científica tão invocada agora é muito cruel. Você necessita demonstrar o que diz com provas, não importa o que você seja ou tenha já realizado; ou prova que está certo, ou não está. A fragilidade humana não faz parte do rigorismo científico. Muito além disso, sem sonhos não existe arte, não existe ciência, inexiste vida. A discriminação pela idade é cruel nesta pandemia. Imaginem na Medicina que é um híbrido da ciência com arte!
Vêm-me à mente as palavras de Fiodor Dostoiévski: “a beleza salvará o Mundo”. O mesmo autor contradiz-se logo adiante: “É difícil julgar a beleza; a beleza é um enigma”.
Espanta nesta pandemia do Covid-19 as desavenças por ela provocadas, ampliadas principalmente pelas notícias mais diversas e virulentas que o próprio vírus, responsável por ela.
Quando praticava/chefiava a Medicina Clínica, era difícil contratar médicos uteistas (especialistas em UTI). Esses médicos necessitam, antes de tudo, de vocação (do latim vocacione) para a função. Não basta apenas saber manejar os aparelhos médicos e tomar decisões rápidas. Além de conhecer o “estado da arte” ou o “estado da técnica”, têm de possuir a personalidade desses especialistas de tão árdua formação.
Negar ao velho o direito de receber a respiração assistida por sua idade, descartando-o, é uma tragédia. Assim funciona o preconceito contra os idosos. Ele, o preconceito, consegue substituir uma realidade complexa com uma simplicidade fictícia. Não há nenhum algoritmo que possa discernir o direito à vida. O respeito e a dignidade são os bens preciosos para todas as pessoas. Não existem reparos de ordem técnica para problemas humanos.
E os algoritmos não podem dizer o que é certo ou errado na Bioética.
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Meraldo Zisman – Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE). Imortal, pela Academia Recifense de Letras, da Cadeira de número 20, cujo patrono é o escritor Álvaro Ferraz.
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Excelentes palavras, Meraldo. E muito oportunas nesse momento em que todos nós que ultrapassamos a “sexta dúzia”passamos a ser olhados como pré-estatística, arrolados em uma categoria da qual o desaparecimento dos membro não deve causar surpresa.
É necessário deixar bem claro que nada está decidido antecipadamente. Cada ser humano tem sua trajetória definida por fatores voluntários e involuntários, independentemente de sua faixa etária.