Covid 19 e a Saúde Mental – I. Por Meraldo Zisman
COVID 19 E SAÚDE MENTAL I
MERALDO ZISMAN
… Os efeitos na saúde mental do COVID-19 na população em geral podem ser profundos e duradouros e merecem atenção séria; mas eles não podem ser o foco exclusivo da conversa. Aqueles que desejam construir sociedades e sistemas de saúde mais justos após o fim da pandemia devem aprender a priorizar as necessidades das pessoas. Estamos atravessando uma época muito estranha, difícil e inesperada…
O COVID-19 trouxe novos desafios, mas teve um efeito salutar sobre as desigualdades preexistentes na sociedade e nos serviços de saúde.
Nos cuidados da saúde mental muitas coisas foram mal reparadas ou deixadas de lado por muitos anos e o custo dessa negligência está sendo pago agora pelos mais vulneráveis.
Embora a situação do COVID-19 seja frequentemente descrita como tendo mudado tudo, em alguns casos simplesmente acentuou tendências preexistentes – incluindo a negligência com que a mídia, e o público por ela influenciado, ignora as necessidades de grupos vulneráveis, incluindo aqueles com doenças mentais graves, dificuldades de aprendizado e distúrbios do desenvolvimento neurológico, bem como grupos socialmente excluídos, como prisioneiros, desabrigados e refugiados. Porém, segundo a revista médica Lancet, é necessária uma pressão adicional de clínicos, pesquisadores, organizações de defesa de usuários de serviços e jornalistas para que o discurso da sociedade seja corrigido.
Os efeitos na saúde mental do COVID-19 na população em geral podem ser profundos e duradouros e merecem atenção séria; mas eles não podem ser o foco exclusivo da conversa. Aqueles que desejam construir sociedades e sistemas de saúde mais justos após o fim da pandemia devem aprender a priorizar as necessidades das pessoas. Estamos atravessando uma época muito estranha, difícil e inesperada.
Mas vamos lá ao assunto.
Palavras convivem bem com mais de um sentido, pessoas não. Assim começo com o verbete depressão. A palavra depressão, que tem como sinônimos prostração, desânimo, abatimento, esgotamento, estresse, stress, letargia, inércia, tristeza, melancolia, ansiedade, pode ser entendida como infelicidade. Entre as principais queixas que tenho ouvido no consultório é que ninguém vem me procurar dizendo que é infeliz, vem logo dizendo que está deprimido.
Essa transformação semântica implica numa alteração da noção de uma patologia e é significativa, pois entendo por depressão um estado mórbido. A depressão (CID 10 – F 33) é uma doença psiquiátrica crônica que tem como sintomas tristeza profunda, perda de interesse, ausência de ânimo e oscilações de humor.
Sendo uma doença, seria responsabilidade do médico aliviá-la por meio da Medicina. E como todos os seres humanos têm direito à saúde e a tratamento, como reza a Constituição de 1988, todo mundo tem direito a se sentir numa disposição contrária à de ser infeliz, o contrário de ser deprimido (‘sic’). Daí surge a condição tragicômica na qual o paciente finge estar doente e o médico finge que vai curá-lo.
…A Peste ia a caminho de Bagdá quando encontrou Nasrudin. Este perguntou-lhe: — Aonde vais? A Peste respondeu-lhe:— Bagdá, matar dez mil pessoas. Depois de um tempo, a Peste voltou a encontrar-se com Nasrudin.
Não poucas vezes o médico aparenta conduzir um tratamento, mas muitas vezes torna-se – ele mesmo – obstáculo e empecilho para a cura do pretenso paciente, impedindo mudanças morais naquela pessoa.
Neste momento, de tantas notícias pandêmicas e políticas, desde o medo de pegar a virose ou que a morte de um ente querido possa acontecer, além da insegurança econômica e de quarentenas ameaçadoras de solidão social, é fácil concluir que os portadores de distúrbio psiquiátricos sejam mais afetados, além de que as pessoas, em geral, estejam mais vulneráveis.
Entendo que é natural que sejamos estressados com o isolamento, pois o Homo Sapiens é por natureza gregário.
O Brasil, particularmente, já sofria de uma epidemia de ansiedade muito antes do coronavírus aparecer. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o País tem o maior número de pessoas ansiosas do mundo: 18,6 milhões de brasileiros (9,3% da população) convivem com este transtorno.
A primeira orientação que me ocorre é não se deixar bombardear pelo fluxo contínuo e por vezes contraditório de dados que chegam até nós cotidianamente, uma vez que isso pode acentuar as preocupações, promovendo mais infelicidade nas nossas vidas. Segundo as estatísticas, há hoje 230 milhões de celulares ativos no País, que recebem a cada minuto notícias perturbadoras. Para terminar este primeiro artigo da série sobre o contexto gostaria de lembrar uma lenda árabe:
NASRUDIN E A PESTE:
A Peste ia a caminho de Bagdá quando encontrou Nasrudin. Este perguntou-lhe: — Aonde vais? A Peste respondeu-lhe:— Bagdá, matar dez mil pessoas. Depois de um tempo, a Peste voltou a encontrar-se com Nasrudin. Muito zangado, o mullah disse-lhe:– Mentiste. Disseste que matarias dez mil pessoas e mataste cem mil. E a Peste respondeu-lhe: — Eu não menti, matei dez mil. O resto morreu de medo. (Conto da tradição sufi.)
Voltarei ao assunto.
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Meraldo Zisman – Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE). Imortal, pela Academia Recifense de Letras, da Cadeira de número 20, cujo patrono é o escritor Álvaro Ferraz.
ÓTIMA CRÔNICA DR. MERALDO. CONFINAMENTO NÃO É SINÔNIMO DE PRISÃO. ESSA NÃO APLICA-SE AO MOMENTO. AS AGRESSÕES EXTERNAS QUE INVADEM O NOSSO “COTIDIANO EM MOVIMENTO” (TAMBÉM,
TÍTULO DE UM DE SEUS LIVROS) DEPENDEM, EXCLUSIVAMENTE, DE NOSSAS ESCOLHAS.
MUITO OBRIGADA.
Precioso comentário, Dr. Meraldo. Medo mata. Esperança dá vida!
O isolamento social, por restringir o convivio que nos alimenta de esperança todos os dias, faz aflorar o medo da perda de pessoas, coisas e experiencias q seriam nutrizes desta esperança…
Saudade de dias normais…esse novo normal é pobre, anemico, e nos desnutre de amor.