Frivolidade da notícia e Coronavírus. Por Meraldo Zisman
FRIVOLIDADE DA NOTÍCIA E CORONAVÍRUS
MERALDO ZISMAN
…Existe uma aliança ímpia entre uma esquerda que afirma que o Homem tem direitos sem deveres, e os libertários da direita que acreditam que o consumidor é livre e que suas escolhas são a resposta para todas as questões existenciais.
De acordo com a Reuters, o número de novos casos de coronavírus na China caiu no domingo passado e uma autoridade de saúde afirmou que as intensas tentativas de parar sua propagação estão começando a funcionar, enquanto outras 400 pessoas testaram positivo em um navio de cruzeiro em quarentena no Japão
(17/02/2020).
As mídias democratizaram o medo coletivo.
Estranha democratização, não como a banalidade do mal, como diz a filósofa Hanna Arendt (1906- 1975), mas sim como batizo, de frivolidade da notícia. Denomino de frívolas as notícias, verdadeiras ou não, quando sublinhadas, em manchetes, reiteradas, que passam a funcionar como uma estratégia para desviar a atenção das pessoas dos problemas estruturais, como a miséria psicossocial da vida. Assim, nada mais adequado para desviar a atenção de problemas sociais ou políticos do que uma ameaça de pandemia, ocorrência que continua presente no inconsciente coletivo do Homo Sapiens.
Diante de tais notícias apavorantes, chamo a atenção para o fato de que, em 2018, a renda média dos 1% brasileiros mais ricos era 33,8 vezes a renda dos 50% mais pobres, uma proporção superada apenas no Catar. O coeficiente de Gini, outra medida de desigualdade, era de 0,53 em 2017, em uma escala em que zero é igualdade perfeita e 1 significa que uma pessoa tem toda a renda. Entre as grandes democracias, apenas a África do Sul se sai pior.
O Brasil tem um grande Estado. Os impostos representam um terço do PIB, perto da média de um país rico (que o Brasil não é) e muito acima da média latino-americana de 23%. No Brasil, ao que parece, o governo continuará a ser um sócio majoritário que só se interessa pelo que pode tirar das empresas. Pouco importa se há boas ou más condições internacionais na Economia. Tenho a impressão de que, após tantos anos de regimes populistas, o desnível regional aumentou e permanece gritante. Alguns magistrados ganham mais em um mês do que seus equivalentes em países ricos ganham em um ano. Paro agora desde que pouco entendo da ciência da Economia e minha praia é a Medicina. Não me atrevo em ir mais adiante.
O que sei é o seguinte: no Brasil, a desigualdade social é marcante e afeta a maioria dos brasileiros, o que se confirma pelos resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). De 2016 a 2017 o índice de pobreza extrema no país cresceu pouco mais de 11%. O Brasil está em décimo lugar na classificação da desigualdade social mundial, documento aparelhado pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Para as crianças que sobrevivem ao primeiro mês, as doenças infecciosas como pneumonia, diarreia, verminose poderiam ter certo alívio se a política de saneamento não tivesse sido abandonada há anos. Nas crianças mais velhas, as lesões decorrentes do medo – incluindo lesões no trânsito e afogamentos – tornam-se importantes causas de morte e invalidez como já me referi no artigo anterior a este: Pandemia do Medo (https://www.chumbogordo.com.br/30243-pandemia-do-medo-por-meraldo-zisman/).
Quanto às mortes maternas, são elas causadas por complicações obstétricas, como pressão alta durante a gravidez e sangramento grave ou infecções durante, ou após o parto; e cada vez mais devido a doenças ou condições pré-existentes, agravadas pelos efeitos da gravidez. O sucesso de outros países se deve à vontade política de melhorar o acesso a serviços de saúde de qualidade, investindo na força de trabalho em saúde, introduzindo atendimento gratuito para mulheres e crianças grávidas e apoiando o planejamento familiar. Somos um dos países com prevalência em gestação na adolescência, conferir em http://www.chumbogordo.com.br/25185-gravidez-na-adolescencia-por-meraldo-zisman/
Existe uma aliança ímpia entre uma esquerda que afirma que o Homem tem direitos sem deveres, e os libertários da direita que acreditam que o consumidor é livre e que suas escolhas são a resposta para todas as questões existenciais.
Voltando ao tema noticiário, suspeito que a “futilidade das notícias” que se encontra hoje tanto na mídia oficial como na social acalenta a frivolidade noticiosa do mal. A nossa maior epidemia, que é a mortalidade das crianças e jovens, não dá manchetes e a mídia ainda propala a desculpa de que a pobreza não explica isoladamente as doenças. Ao se misturar uma verdade com uma mentira, não fica fácil detectar a frivolidade da notícia.
A responsabilidade dos jornalistas, nesta época, é cada vez mais importante.
____________________________________________________________
MUITO BOM MESMO, DR. MERALDO!
ABRANGENTE, ENQUANTO COMPUNGENTE