Quem se beneficia com a mudança de entendimento sobre prisão após a 2ª instância? Por Marcelo Lopes
Quem se beneficia com a mudança de entendimento sobre prisão após a 2ª instância?
O STF (Supremo Tribunal Federal) deve decidir se condenados após a segunda instância de julgamento devem ser presos ou aguardar em liberdade até que sejam esgotados todos os recursos cabíveis na esfera do Código de Processo Penal.
No entendimento de uma das correntes doutrinárias do Direito, há que se interpretar a expressão ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, contida no art. 5º, inciso LVII, da CF/88, como o esgotamento de todas as possibilidades recursais – o que, no caso das cortes superiores do Brasil, pode significar a procrastinação do processo durante anos e até décadas, culminando na prescrição da pena.
A interpretação do dispositivo legal em vigor desde 2016, em consonância com a maior parte de países desenvolvidos, é de que o trânsito em julgado se dá após a condenação em primeiro grau, no âmbito dos Fóruns Criminais, seguida de ratificação da decisão nos Tribunais de Justiça. Depois da condenação pelo Colegiado, o réu pode recorrer às cortes superiores (STJ e STF), mas deve aguardar preso o julgamento dos recursos, que não irão mais versar sobre fatos e provas; apenas sobre possíveis e eventuais ilegalidades.
Uma possível mudança de posicionamento da Corte Superior, chamada de ativismo judicial, devido a uma lacuna legislativa sobre o assunto que obriga o Judiciário a apresentar definições legais para casos concretos, interessa coincidentemente a grande parte da classe política brasileira e empresários – principalmente aos envolvidos em crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, presos no andamento da operação Lava jato, que alegam cerceamento de defesa. Mas será esse o problema mais latente no âmbito do Direito Penal?
É bom não perder de vista também a constatação de que, a cada 100 crimes praticados no Brasil, menos de 5%, em média, são efetivamente investigados e terminam em condenação. Essa constatação comprova que a mudança de paradigma no tocante à prisão após a segunda instância de julgamento está longe de ser o principal gargalo do Direito Penal Brasileiro…
O Brasil tem uma população carcerária que já ultrapassou a casa de 800 mil presos, segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Desse número, mais de 330 mil detentos são presos provisórios (um a cada três presos aguarda julgamento). Isto é, encontram-se encarcerados sem terem passado pelo julgamento de uma única instância do Poder Judiciário. O que dizer sobre cerceamento de defesa nesse contexto? Como explicar a privação da liberdade de alguém, por anos, sem um único julgamento?
É bom não perder de vista também a constatação de que, a cada 100 crimes praticados no Brasil, menos de 5%, em média, são efetivamente investigados e terminam em condenação. Essa constatação comprova que a mudança de paradigma no tocante à prisão após a segunda instância de julgamento está longe de ser o principal gargalo do Direito Penal Brasileiro. Em verdade, o que se nota aqui no Brasil é a sensação de impunidade, que pode ser agravada com a soltura de milhares de criminosos já condenados em 2ª instância, caso o STF mude seu entendimento.
De acordo com Cesare Beccaria, um dos expoentes do Iluminismo Penal e da Escola Clássica do Direito penal, não é a intensidade da pena que produz o maior efeito sobre o espírito humano, mas a certeza da punição. Ou seja: antes de alardear a apologia da pena de morte, prisão perpétua e castigos cruéis – proibidos pela Constituição -, deveríamos defender a construção de um ordenamento jurídico que efetivamente passasse aos cidadãos – sem distinção – a sensação e certeza de que existem leis claras e que estas, diante da ocorrência de um crime, serão realmente aplicadas.
Em sentido contrário, fazer vistas grossas a esse contexto e APENAS mudar o entendimento sobre a prisão após o julgamento em segundo grau representa fechar os olhos à realidade do sistema carcerário brasileiro – que tem demandas muito mais urgentes – num claro casuísmo para atender a interesses de poderosos, representados por lobistas atuantes em diversos estratos da sociedade brasileira.
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Marcelo Jakuk Lopes – jornalista e advogado)