O maldito populismo. Por Edmilson Siqueira

O MALDITO POPULISMO

EDMILSON SIQUEIRA

… Bolsonaro, o capitão, está misturando tudo. Por não saber bem o que fazer e, parece, por um medo inacreditável de perder o poder, resolveu lutar contra moinhos de vento. Pelas redes sociais – que ele acha que o elegeram – continuou em campanha, criando inimigos novos, depois de tentar, em vão, massacrar inimigos que ele já havia derrotado nas urnas.

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Quando o ditador Getúlio Vargas queria aprovar algo que poderia desagradar a políticos e setores da elite (naquele tempo ela era bem visível), convocava um grande comício no estádio de São Januário, do glorioso Vasco da Gama, então, talvez, o maior local para abrigar multidões do Rio (o Maracanã não existia ainda).  Os aplausos ao seu discurso – como todo ditador, Getúlio tinha lá uma boa parcela de adoradores entre o povo, sem contar as claques que dependiam diretamente do governo e bateriam palmas até pra Lúcifer se ele chegasse ao poder – deixavam a impressão de que a medida a ser tomada era do agrado do povo e quem fosse contra poderia perder votos, popularidade, clientes ou qualquer outra coisa relacionada ao populacho.

Lula, quando se via à beira de mais uma denúncia ou de qualquer obstáculo, dava um jeito de falar por seus interlocutores ou a algum blog pago com nosso dinheiro, acusando as elites, a Rede Globo, a direita, os banqueiros, o grande capital, os tucanos, os palmeirenses e os são-paulinos de quererem criar o caos, de tirar o povo do poder, de manter seus privilégios e que, por isso, estavam contra, por exemplo, a estatização do pré-sal que tantos benefícios traria para o Brasil… E a claque no Congresso – muito bem paga, como se sabe – reverberava o discurso e botava medo na oposição. Aliás, nem precisava, já que os governos do PT tiveram as oposições mais covardes da história da República brasileira.

Bolsonaro, o capitão, está misturando tudo. Por não saber bem o que fazer e, parece, por um medo inacreditável de perder o poder, resolveu lutar contra moinhos de vento. Pelas redes sociais – que ele acha que o elegeram – continuou em campanha, criando inimigos novos, depois de tentar, em vão, massacrar inimigos que ele já havia derrotado nas urnas. E agora, como a colocar uma cereja podre num bolo feito com farinha vencida, resolveu apostar em manifestação nas ruas para se fortalecer.

Apelar a multidões meio fanatizadas e, por isso, cegas, como Getúlio fazia e criar inimigos onde não há, como Lula fazia, pode ser a receita do fracasso, ou da concretização de um fracasso que vem se desenhando ao longo desses quase de cinco meses de governo. Getúlio vivia numa época em que as notícias do Rio para São Paulo demoravam um dia para chegar e os jornais impressos traziam novidades todas as manhãs. Ou seja, tudo era muito lerdo se comparado aos dias de hoje. Além disso, as multidões de trabalhadores beneficiadas pelo salário mínimo, jornada de oito horas, carteira de trabalho e outros penduricalhos copiados da legislação trabalhista fascista de Mussolini, garantiam seu poder. Lula não só contava com apoio popular – a multidão de miseráveis que virou pobre e a multidão de pobres que, por um ou dois anos, virou classe média e sentiu as delícias de comprar um tevê de 40 polegadas a prestação – era sua gigantesca claque. E no Congresso, ele garantia os votos na boca do caixa, como mostraram o Mensalão e o Petrolão. Ou seja, as bases de ambos, bem ou mal, eram concretas. Sem contar os sindicatos, mantidos com o  dinheiro farto do imposto sindical, que faziam o barulho necessário a favor do líder.

Bolsonaro não quis comprar sua base que estava ali, toda oferecida, e esse é o grande mérito até aqui de seu incerto governo. Não usar ministérios de porteira fechada, cargos altamente rentáveis e dinheiro vivo mesmo para conseguir apoio no Congresso será um enorme avanço, caso ele consiga. Mas, para enfrentar as consequências dessa ousadia (no Brasil é ousadia não ser corrupto nos governos) há que se ter alternativas que tornem o governo viável.

Imagem relacionadaBolsonaro abriu mão, no primeiro minuto do primeiro tempo, de duas propostas constantes da reforma da Previdência e deixou o projeto sobre segurança de Moro dançar feito prostituta nas mãos dos cafetões de sempre do Congresso. Cada um tirava uma casquinha. Sem contar que transformou Moro num ministro vapt-vupt que, na primeira chance, veste a capa preta do STF até os 75 anos.

A primeira delas é o exercício da liderança. E por mais que os fanáticos bolsonaristas insistam no apelido “mito”, de mito o capitão nada tem. Nem de carisma. E, lamentavelmente, nem de esperteza, pra não dizer outra coisa. Sem essas qualidades, não há liderança. Sem liderança, a tropa se espraia no cipoal dos interesses pessoais.

A segunda alternativa seria um ministério forte, composto por autoridades em cada área, que impusessem respeito pelo passado ilibado e pelo conhecimento farto. Tirando Paulo Guedes, Sérgio Moro e alguns poucos outros, o resto é marinheiro de primeira viagem que não consegue desatar o nó mais simples da nomeação de seus assessores diretos.

A terceira alternativa (há outras, mas fiquemos nessas três), é a defesa intransigente dos projetos essenciais para que o Brasil pare de patinar, comece a crescer e receba os investimentos que precisa. Bolsonaro abriu mão, no primeiro minuto do primeiro tempo, de duas propostas constantes da reforma da Previdência e deixou o projeto sobre segurança de Moro dançar feito prostituta nas mãos dos cafetões de sempre do Congresso. Cada um tirava uma casquinha. Sem contar que transformou Moro num ministro vapt-vupt que, na primeira chance, veste a capa preta do STF até os 75 anos.

O populismo pode ter dado certo para manter o ditador Getúlio Vargas (mas era um ditador; depois, eleito numa democracia, se viu tão encalacrado que deu um tiro no peito) e mantido o PT no poder por longos 13 anos (os resultados foram a corrupção desenfreada, uma recessão de três anos e 14 milhões de desempregados, para ficar só nos mais notórios). Só que agora as coisas estão andando muito mais depressa, os capitais passeiam pelo mundo com uma volatilidade digna das mais nobres substâncias, a cobrança é muito maior, a oposição é forte e esperta, o governo não tem maioria no Congresso e a base popular do presidente é formada por fanáticos que pregam uma ditadura de direita e repelem os generais que estão no governo, ou seja, está mais perdida que Lula numa biblioteca.

Se continuar assim, o atual governo pode até cumprir seus quatro anos para os quais foi eleito, mas passará à história como um interregno entre o populismo avassalador dos cofres públicos do PT e o que virá depois do capitão que, infelizmente, não se pode prever. Mas, pelo andar da carruagem, pode ser até coisa pior, já que o comandante parece não estar interessado em construir uma estrada para o desenvolvimento sustentável do Brasil.

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Edmilson Siqueira é jornalista

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