O Medo Ancestral. Por Meraldo Zisman

[ Violência – V / X]


O MEDO ANCESTRAL

MERALDO ZISMAN

Não será que a decantada reforma da nossa Previdência Social passou a ser o judeu da vez? Culpado de tudo de ruim. Seria razoável pôr a culpa nela de todas as nossas desgraças nacionais, responsável por malignidade tamanha que continuaremos para sempre como um país em desenvolvimento?

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Apesar de considerar as pragas do Egito Antigo e tantas outras descritas no Velho Testamento, prefiro saltar no tempo e começar pela época do Renascimento, com o Decameron, de Giovanni Boccaccio, e com suas novelas escritas entre 1348 e 1353.

Relata esse autor a tragédia vivenciada pela população europeia e as mortes causadas pelas pandemias de peste bubônica – a denominada peste negra – que, de 1347 a 1350, dizimou mais de uma terça parte da população daquele continente.

Lembro-me, e muito bem, das minhas leituras de adolescente, dentre elas o livro Peste de Albert Camus, uma obra que valeu ao autor o Prêmio Nobel de Literatura em 1957. Nela, o leitor é levado a sentir como alguém reagiria caso permanecesse isolado do mundo e vivesse em regime de quarentena. E, apesar de toda a desgraça, esse isolamento faz brotar, muitas vezes, o sentimento de solidariedade entre as pessoas. Meus ancestrais viveram em guetos, desde muito tempo.

Cabe registrar que meu pai, um sobrevivente dos pogroms da velha Rússia, me contou como os ânimos dos súditos do Czar se tornavam mais acirrados quanto ao antissemitismo durante as epidemias de cólera morbus. A polícia daquele imperador colocava sempre a culpa das epidemias nos judeus, para assim poder desviar o ódio da população pela falta de educação, de comida e de saneamento básico, entre tantas outras lacunas do governo imperial.

Sem ser economista e sendo descendente de judeus, como perguntar não é pecado, ouso indagar: embora não saberia dizer o motivo, algumas dessas numerosas perseguições ancestrais nos despertam inquietações, como ocorre com os animais antes de advir qualquer perigo? Sentem no ar, muito antes que a perseguição venha a ocorrer, o iminente ataque aos seus semelhantes de credo, de raça ou de qualquer adjetivação arbitrária imposta a um grupo humano. É como meu cão que fareja quem simpatiza ou antipatiza com ele.

Alguns denominam essa premonição de instinto, por falta de melhor explanação do que eu chamo de “memória ancestral”. Não sei explicar essa sensibilidade, esse “odor” de que algo ruim irá acontecer.

Resultado de imagem para ancestral fear…Depois da Lava Jato e da roubalheira institucional por ela escancarada, muda-se agora a personagem principal, que passa a ser a Reforma da Previdência? Ou será que essa badalada reforma seria apenas um boi de piranha, para que o governo possa trabalhar em paz?  De toda maneira, não acredito que vamos sanar todos os nossos males com a reforma da Previdência.

Será que a situação que estamos vivendo no Brasil é toda causada pela Previdência Social? Ou será que voltaremos à velha indagação filosófica de botequim: “Quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha? “.

Fico-me a perguntar se não há algo pairando no ar pois, embora seja branco, de olhos azuis e médico, sou brasileiro, e jamais fui agredido fisicamente por causa da minha origem.

Não será que a decantada reforma da nossa Previdência Social passou a ser o judeu da vez? Culpado de tudo de ruim. Seria razoável pôr a culpa nela de todas as nossas desgraças nacionais, responsável por malignidade tamanha que continuaremos para sempre como um país em desenvolvimento?

O país do futuro com que sonhei continuará a ser um sonho e todo meu trabalho durante minha longa vida como professor e médico foi tempo jogado fora? Não posso aceitar a minha inutilidade quanto a esse tempo perdido.

Algo deve estar errado!

Permita-me repetir o chavão: não existe resposta simples para problemas complexos.

Depois da Lava Jato e da roubalheira institucional por ela escancarada, muda-se agora a personagem principal, que passa a ser a Reforma da Previdência?

Ou será que essa badalada reforma seria apenas um boi de piranha, para que o governo possa trabalhar em paz?

De toda maneira, não acredito que vamos sanar todos os nossos males com a reforma da Previdência.

Tudo vai depender do Congresso, que é uma instituição meio entreposto, meio bordel, meio confessionário, segundo dizia Millôr Fernandes.

Porém, nada é tão sincero quanto o medo. O meu é o pior dos medos, por ser ancestral e ter mais de cinco mil anos de idade.

É tudo terminar como sempre: em violência…


ACOMPANHE A SÉRIE “VIOLÊNCIA”, DO AUTOR; SERÃO DEZ ARTIGOS. VEJA OS QUE JÁ SAÍRAM:

artigo I Medicina e Política. Por Meraldo Zisman

artigo IIA Epidemiologia algorítmica na prevenção da violência. Por Meraldo Zisman

artigo IIICélulas espelhos. Por Meraldo Zisman

artigo IVViolência Interpessoal. Por Meraldo Zisman



Meraldo Zisman Médico, psicoterapeuta. É um dos primeiros neonatologistas brasileiros. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Vive no Recife (PE).

 

 


 

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