O Filho de Maria. Por Josué Machado
O FILHO DE MARIA
POR JOSUÉ MACHADO
O verbo dar, o nascimento do bom Jesus e sua posição na família:
primeiro ou único?
Um sábio articulista de jornal comenta a que extremos podem chegar os adeptos de determinada fé na manifestação de sua intolerância para com os fiéis de outras crenças:
“Na realidade, a religião do próximo não passa de um amontoado de falsidades e superstições. Não é o que pensa o evangélico na encruzilhada quando vê as velas e o galo preto? Ou um judeu quando encontra um católico ajoelhado aos pés da virgem imaculada que teria dado à luz ao filho do Senhor?”
Não interessam aqui as considerações sobre fé e os excessos que com frequência provoca quando se transforma em fanatismo, mas, sim, o uso que ele fez do verbo dar em:
“… que teria dado à luz ao filho …” .
Uma distração, claro, porque em geral se dá algo a alguém ou a alguém algo. No sentido de gerar (vida), dar vida a alguém, é bi-transitivo. “A mulher deu-lhe três filhos.”, como registra o Houaiss.
Dão-se à luz também obras, no sentido de publicar, editar:
“José Sarney revolucionou a literatura universal ao dar à luz a obra ‘Marimbondos de Fogo’.”
No caso de parir, lembremos que DAR funciona assim: dar (um filho) à luz. Obviamente, a mulher traz o filho à luz. Ele estava em gostosa e morna escuridão, protegido de quase tudo, e vem à luz enfrentar a dureza do mundo dirigido por políticos como esses por aí, muitos ainda soltos.
Em vez de “dar à luz o filho”, por que não usar parir, bem mais simples e direto?
Porque parir é verbo seco, duro e algo deselegante quando empregado em relação a seres humanos. Na verdade, usa-se parir, mas apenas em expressões um tanto rudes reveladoras de condenável exaltação: “Vá à PQP!”, com o significado de “vá aperrear a dadivosa senhora que lhe deu a luz!” Ou: “Vá azucrinar a dama de vida difícil que o trouxe à luz!”
Então, no caso do texto, o articulista teria escrito melhor, não fosse a distração:
“… que teria dado À luz O filho…”
Poderia ter usado também conceber, gerar, mas provavelmente preferiu o verbo usado na Bíblia em relação a Maria:
“E deu à luz o seu filho primogênito, […]” (Lucas, 2;7).
PRIMOGÊNITO OU UNIGÊNITO?
Em outro desentendimento de raízes religiosas entre dois ramos do cristianismo, os cristãos evangélicos, discordantes do papismo, consideram que a virgem Maria deu à luz o bom Jesus por obra e graça do Espírito Santo, e depois teve outros filhos com o marido, José. E que não houve nada de mau nisso, porque homem e mulher foram feitos para povoar o mundo pelo processo usual. Para eles, portanto, o bom Jesus foi o primogênito de Maria, isto é, o filho que nasceu primeiro entre outros.
Mas os católicos romanos, de orientação papal, firmam-se na crença de que Maria, da mesma miraculosa forma, deu à luz um único filho, o bom Jesus, portanto unigênito, e nenhum outro mais, mantendo-se virgem para todo o sempre, pois não conheceu seu marido, o bom José, pobrezinho, que ficou a ver navios.
(Conhecer, no sentido bíblico, bem entendido).
Sob qualquer ângulo, um milagre.
Questão de fé.
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Josué Rodrigues Silva Machado, jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, Best Seller, SP, 1995; e “Língua sem Vergonha”, Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade