Gol contra
Em seu excelente livro, “Sob a Lupa do Economista”, Carlos Eduardo Soares Gonçalves e Mauro Rodrigues relatam um estudo de Luis Garicano e Ignacio Palacios-Huerta avaliando a eficácia da regra que passou a premiar a vitória no futebol com 3 pontos ao invés de 2. A motivação por trás da mudança era bastante simples: ao elevar o retorno da vitória relativamente ao empate, a FIFA pretendia estimular o jogo ofensivo e, portanto, a média de gols por jogo (aqui tomada como medida de qualidade do esporte).
Garicano e Palacios-Huerta, no entanto, comparando jogos do campeonato espanhol (em que pontos ganhos determinam o campeão) a jogos da Copa do Rei (onde pontos são irrelevantes) não conseguiram achar diferenças significativas no número de gols por partida. A explicação para este comportamento reside, como de hábito, na estrutura de incentivos.
Embora haja estímulo adicional para buscar o gol quando o jogo está empatado, a partir do momento que um time abre o placar, os incentivos se alteram: agora o custo de sofrer o empate é a perda de 2 pontos, contra a perda anterior de apenas 1 ponto. Assim, times que saem na frente tenderiam a abandonar a estratégia ofensiva mais frequentemente sob a nova regra relativamente à antiga, hipótese que não é rejeitada pela evidência.
Ainda que isto pareça mera curiosidade, a lição não poderia ser mais clara. Os agentes, sejam times de futebol, empresas, ou trabalhadores, não ficam passivos face a alterações no ambiente institucional (as “regras do jogo”); pelo contrário, se adaptam a elas de maneiras muitas vezes imprevistas, não raro frustrando seus objetivos originais.
Tal lição se torna ainda mais importante à luz da discussão recente sobre os mecanismos de persistência da inflação que vem ganhando força nos últimos meses. Depois de passar um longo período relativamente ausente, este tema retornou ao debate no começo de 2011 numa intensidade não vista desde 1999 (superando, inclusive, o observado em 2008). Forma-se um consenso que a indexação, problema que se acreditava superado, voltou a fazer parte das preocupações da sociedade (e do BC) neste momento.
Invoca-se a “cultura da indexação” e outras explicações de cunho sociológico (ou psicológico) para esclarecer o fenômeno, mas a verdade é que, fosse esta a razão última para tal comportamento, ele não teria perdido importância no passado, nem ganhado relevância ultimamente. É mais provável que possa ser explicado, como no exemplo acima, pela reação dos agentes ao perceberem a mudança nas “regras do jogo”, no caso, no próprio comportamento do BC no que se refere a seu comprometimento com a meta de inflação.
De fato, a percepção que o BC tende a acomodar os desvios da inflação com relação à meta, estendendo o período de convergência, é equivalente à noção que a política monetária permitirá maior persistência da inflação. Não é absurdo, portanto, que, dada esta informação, os agentes econômicos se adaptem ao novo ambiente, trazendo de volta as práticas de indexação características de um passado nem tão remoto (e, diga-se, a regra para reajuste do salário mínimo também fornece um exemplo nada virtuoso no que se refere a este tema).
Em outras palavras, as dificuldades para a política monetária que advêm das práticas de indexação de preços e salários não caíram do céu, mas resultam precisamente da percepção de maior permissividade do BC relativamente à inflação.
Não fosse isto ironia suficiente, sabe-se também que, na presença de indexação, são maiores os custos para reduzir a inflação em termos de perda de produto. Ou seja, para não pagar hoje os custos do ajuste, elevam-se os custos à frente, e não será surpresa caso estes sejam invocados no futuro como motivo para estender adicionalmente o prazo de convergência.
Não há mudança de regra que justifique gol contra.
(Publicado 27/Abr/2011)
Meus caros,
Mas esta "cultura de indexação" é importante, sim. Mas não nesta vertente sociológica boba, mas como questão tecnológica (ou seja, estou concordando com o artigo). Os brasileiros sabem como indexar seus contratos. Já temos esta tecnologia. Assim, quando a política muda (exatamente como descrito no artigo), a adoção de práticas de indexação é rápida e fácil. E os agentes fazem isto.
Saudações.
O número de empates diminuiu? Essa questão é importante.
Vejam os slides da apresentação do Tombini no Cdes ontem:
http://www.bcb.gov.br/pec/appron/apres/Alexandre_Tombini_CDES_26-4-11.pdf
No último slide, dentre outros objetivos, destaca o de "assegurar o crescimento econômico e desenvolvimento social sustentáveis".
Compreendo a importância destes pontos, mas é o BC que deve cuidar disso?
Ótimo texto, Alex.
Eu gastaria umas 200 palavras a mais para falar exatamente o que você disse…
q merda ne?
"Não fosse isto ironia suficiente, sabe-se também que, na presença de indexação, são maiores os custos para reduzir a inflação em termos de perda de produto. Ou seja, para não pagar hoje os custos do ajuste, elevam-se os custos à frente, e não será surpresa caso estes sejam invocados no futuro como motivo para estender adicionalmente o prazo de convergência."
É ISTO MESMO.
Primeiro adjetivam a inflação (de oferta, de alimentos, etc.) tentando negar o risco de retorno do processo inflacionário (mesmo com mais de 70% dos itens de preços pesquisados subindo). Atrasaram a Selic, agora fizeram aumento com risco de perda do controle das expectativas e retorno da indexação. Para quem tem a responsabilidade de defender o poder de compra da moeda é muita fraqueza (ignorância não acredito). Ignorância ou demagogia está lá pelas bandas do MF.
Mas o retorno da inflação derrubará presidente de BC e não reelegerá PT (esta turma não aprendeu que quem ganhou a eleição foi a inflação baixa = poder de compra = PIB dos mais pobres e da classe média = maioria dos eleitores).
Como sempre, brilhante!Pena que os que deviam estar à frente dos destinos nacionais só podem alertar e criticar! Lembro-me do Funaro. Com todo respeito, mas que capacidade tinha ele para assumir as responsabilidades do cargo de MF? Os que o criticaram naquela época eram considerados criminosos lesa-pátria.
a abordagem da fazenda é que a culpa é de quem indexa e não de quem deixou a inflação correr..
já já vão proibir contratos com indexadores
Se necessário, o melhor seria folhear esse texto aqui: http://www.hup.harvard.edu/catalog.php?isbn=9780674028142
E na página do autor: http://www.ucema.edu.ar/u/gtm/
Com certeza, mais de um vai achar esses materiais illuminating. Talvez depois de lê-los entenderá um pouco melhor a economia brasileira.
Obrigado ao anônimo que postou os slides do Tombini.
Com eles pude aprender que o Bacen deve "lidar com o intenso fluxo de capitais estrangeiros, que são
inflacionários" e que "a sociedade brasileira desfruta hoje do mais
elevado nível de bem estar dos últimos 30 anos".
Ah!, aprendi também que existe um tal de IC-Br, um índice de commodities calculado pelo BCB.
O próprio governo abriu a Caixa de Pandora da indexação quando criou a regra de correção do salário mínimo. O resto é consequencia.
Pra começo de conversa, acho que o BC está "atrás da curva" (apesar de achar a expressão idiota).
A estratégia mais "gradualista" não era nada absurda, um pouco arriscada para aquele que tradicionalmente é a última linha de defesa contraa inflação, até fevereiro. IPCA de janeiro e fevereiro foram altos, mas esses meses realmente tem sazonalidade mais alta. Porém, o IPCA de março e o IPCA 15 de abril confirmaram quq a inflação está bem mais alta mesmo.
Por isso acho que no último Copom o BC deveria ter admitido que a estratégia otimista fez água e ter subido 0,75.
Mas queria falar duas coisas pro anônimo das 20h25 e 20h30.
1 – não é um absurdo nem heterodoxia (leia o this time is different de reinhart e rogoff) o BC se preocupar com o fluxe de capitais. A relação de déficits em conta corrente e crises bancárias é forte. Se você olhar a apresentação do Bernanke no meeting da AEA em 2010 verá um gráfico genial entre déficit em cc e preços de imóveis. É impressionante e falta boa teoria pra explicar bem isso. Mas é verdade que esse motivo pra se ficar atento e até agir contra ingresso excessivo de fluxos de capital está mais relacionado a missão do BC como mantenedor da estabilidade financeira do que como mantenedor da estabilidade dos preços.
2 – existe o IC-BR, pode não ser perfeito mas foi uma boa iniciativa, e se você lesse o boxe do RI sobre ele (sim, a metodologia não é muito clara) veria que é uma tentativa de reponderar os preços das commodities de acordo com seu impacto no IPCA.
Por fim, o BC está otimista demais pra quem é o último homem da defesa.
Há duas forcas atuando em sentido contrário para determinar o número de empates.
A primeira eh que quando o jogo esta empatado ambos os times tem mais incentivo para buscar a vitoria. A
Segunda eh que quando o jogo não esta empatado, quem esta vencendo tem mais incentivo para se defender do que para continuar atacando.
Logo não acho que o número de empates seja uma estatística importante, mas aposto que o número de gols de times que estão ganhando diminuiu.
Excelente post.
Dois ótimos links:
Muito divertido:
http://www.youtube.com/watch?v=GTQnarzmTOc
Isto é previsão perfeita:
http://www.fedeablogs.net/economia/?p=11141#comments
Pergunta de leigo:
Hipoteticamente, neste ano, caso a inflação anual (brasileira) e a taxa de crescimento da economia (brasileira) atinjam 3,5 %, ganhamos (todos os brasileiros) algo com isto?
Ou dá empate?
Olá alex!
a sua frase: Não é absurdo, portanto, que, dada esta informação, os agentes econômicos se adaptem ao novo ambiente, trazendo de volta as práticas de indexação características de um passado nem tão remoto.
como se diz: cachorro mordido de cobra tem medo de linguiça.
[ ]'s
JCW
JCW:
Na verdade, o fato de ser mordido por cobra ajuda o cachorro a ter medo de linguiça, mas o argumento vai além: o cachorro, mesmo que não tivesse sido mordido, ao perceber que o compromisso de manter as cobras longe não será mantido, passa a ter medo de linguiça.
Abs
Samuel em Mão Visível. 0,25 foi um aumento moderado da taxa selic. Permite, no entanto ao governo petista se financiar com uma inflação esperada para este ano em torno de 8 a 10 porcento(MÍNIMO). Ao mesmo tempo continuar se financiando da poupança externa que continuará a entrar. Além do financiamento de impostos, o mais alto do mundo, na casa de 38% do PIB.
MAS VAI ESTOURAR MESMO COM TODOS ESSES FINANCIAMENTOS E POR CAUSA DELES POR NÃO SABER ADMINISTRÁ-LOS.
Texto bom, mas com estratégia discursiva equivocada.
Se você vai utilizar analogia com futebol, posar com a camisa do São Paulo é praticamente um contra argumento…
E ainda esse papo de cobra com linguiça, tsc, tsc, tsc…
"Hipoteticamente, neste ano, caso a inflação anual (brasileira) e a taxa de crescimento da economia (brasileira) atinjam 3,5 %, ganhamos (todos os brasileiros) algo com isto?
Ou dá empate?"
Ganhamos 3,5% de crescimento, ué! Os dados de crescimento divulgados referem-se a crescimento real, não levam em conta o efeito dos preços. Portanto, pode-se dizer que já vêm "descontados" da inflação.
Alex,
Repliquei o seu excelente post no nosso blog com os devidos créditos. Espero que não se importe.
Abs
De forma alguma!
Abs
Desculpe pelo off-topic, mas tinha que compartilhar esse vídeo:
http://www.youtube.com/watch?v=GTQnarzmTOc
Que obra!!!
Abs
Esse povo não aprende com o passado…
Artigo do Marcio Garcia
Esterilização cambial expansionista?
A verdade é que o brasileiro médio nunca soube entender o quanto foi importante o controle da inflação para a sua vida. Muita gente que passou pela inflação se comportava como se a estabilização fosse a rotina do país, e não era. Quem sabe agora fazendo uma segunda época aprendam.
"A verdade é que o brasileiro médio nunca soube entender o quanto foi importante o controle da inflação para a sua vida".
Absoluta verdade. Lembro-me de algumas pessoas na década de 90 dizendo o seguinte;
"…mas antigamente a poupança dava 90%"
A famigerada "ilusão moentária" era poderosa….
Belo texto Alex,
Quando observamos:
– os dados de atividade bombando
– os índices de inflação acelerando em grande parte dos grupos
– um BC confuso e fazendo todo tipo de oração e macumba ("tudo menos o bom e velho aperto monetário convencional")para convergir a inflação
– gente como Amir Kahir escrevendo verdadeiros "crimes" contra a teoria econômica
fico assustadíssimo!
Quando leio textos e blogs, como o Mão Visível, de gente inteligente e que sabe escrever com uma clareza ímpar aos interlocutores, fico bastante aliviado pois sei que não esta tudo perdido neste país.
Parabéns!
Uma única dúvida:
– Os institutos como o IBGE e a FGV ajustam os índices de preço quando se constata que as empresas estão maquiando seus produtos, mantendo os mesmo preço por uma quantidade menor do bem?
Abs
Em termos de pensamento realmente nem tudo está perdido no país, no entanto, se as pessoas certas, com idéis certas, no lugar e momento certos não estão no poder isso de nada vale. E quem está no poder hoje?
"Ganhamos 3,5% de crescimento, ué! Os dados de crescimento divulgados referem-se a crescimento real, não levam em conta o efeito dos preços. Portanto, pode-se dizer que já vêm "descontados" da inflação.".
Obrigado pelo esclarecimento.
quem se dispõe a escrever um artigo sobre a piora na comunicação do BCB desde a saída do mário mesquita?
Alexandre, Marcio Garcia, Werneck, outros..?
Apollo Creed
Meus caros,
"A verdade é que o brasileiro médio nunca soube entender o quanto foi importante o controle da inflação para a sua vida".
Nada mais falso. Não confunda brasileiro médio com a mediana do grupo social que vêm aqui. O país é extremamente pobre e desigual e o que convencionamos chamar de classe média (a gente) é só os 10% mais ricos (tirando os muito ricos) do país. O brasileiro médio é muito pobre e provavelmente nem conta em banco têm. Este sofre absurdamente com a inflação (não é a toa que elegeu duas vezes o FHC). E isto explica porque a inflação não sairá de controle (aposto em uma saída do Tombini e entrada de alguém com mais peso que puxe a taxa de juros para cima de forma bastante rápida e aguda). Político pode ser tudo mesnos burro.
Saudações.
O BCB esqueceu as lições da Grande Inflação dos anos 70…
Evidências de regressão tecnológica na macroeconomia do BC.
Alex:
Um assunto não relacionado ao presente post. Vc viu o recente artigo do Roubini no Project Syndicate?
http://www.project-syndicate.org/commentary/roubini37/English
Um sumário excelente do dilema da China na minha modesta opinião. Quem iria gostar muito deste artigo é o Bresser Pereira, já que o Roubini está basicamente argumentando que o segredo do crescimento chines é a taxa de cambio e os lucros retidos das SOEs… So much for the Chinese savings rate. It is the exchange rate stupid! Como respeito muito sua opinião agradeceria qualquer comentário de sua parte.
Estive na China recentemente e minha impressão coincide com a do Roubini: o tal over-investment é blatante. Estradas para lugar nenhum, hotéis e aeroportos vazios, principalmente no interior. Quando e se a China parar o nosso Real vai a R$2,50 perhaps more! Segure-se que puder, the road will be bumpy…
Sds,
Eduardo
Sei que já está chato, Alex, mas não dá pra deixar passar:
http://g1.globo.com/economia/noticia/2011/04/gasolina-nao-vai-subir-diz-mantega.html
opss:
http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,acho-que-petrobras-tera-que-elevar-o-preco-da-gasolina-diz-mantega,65273,0.htm
Dá pra levar a sério?
The Anchor
Você já imaginou que ilustração vai rolar, não?