Comentário a Oreiro e de Paula – 4
Há, contudo, outra complicação. Segundo os autores
o Estado brasileiro ainda possui uma postura financeira “Ponzi”, ou seja, as receitas líquidas do governo não são capazes de cobrir a totalidade das despesas de juros.
eleva o risco de financiamento do Tesouro, aumentando assim o poder de mercado dos compradores de títulos, os quais podem exigir taxas de juros mais altas para a colocação dos papéis do governo.
Seria, portanto, o risco de solvência que contaminaria as taxas de juros.
Este argumento é triste. Poderia ter validade em circunstâncias bastante diversas das atuais em termos de dinâmica de dívida, mas é rigorosamente falso hoje.
De fato, afirmam os autores que o esquema “Ponzi” se caracterizaria porque
os juros nominais da dívida (5,4% do PIB em 2009 e 5,3% 2010) superam em muito o superávit primário (3,3% do PIB [sic] em 2009 e 2,6% em 2010).
Eu imaginava que a diferença entre juros reais e juros nominais e sua implicação para a dinâmica de dívida pública fossem conceitos já bem estabelecidos, mas vejo que me enganei. Ainda há quem se diga economista e não entenda do assunto.
Com efeito, simplificando muito (isto já está bem mais extenso do que eu pretendia), a evolução da razão dívida-PIB (d) é dada pela incidência da taxa de juros nominal (i), deduzida a inflação (p) e o crescimento real do PIB (g) sobre a razão no período anterior, descontado ainda o superávit primário (h), isto é:
d(t) = {(1+i)/[(1+p)(1+g)]}d(t-1) – h(t)
Neste caso é fácil ver que o superávit primário que estabiliza a razão ao nível d* é dado por:
h* = {(i – p – g – pg)/[(1+p)(1+g)]}d*
A mera inspeção da expressão acima já indica que o superávit primário que estabiliza a dívida deve ser inferior ao custo nominal da dívida (id). Concretamente, no caso brasileiro, partindo do atual patamar da dívida bruta (55% do PIB), tomando a taxa de juros próxima aos valores de hoje (ao redor de 12% ao ano) e usando a meta de inflação (4,5% ano) e uma estimativa algo moderada do crescimento potencial (4% ao ano), estima-se que o superávit primário que estabiliza a dívida bruta se encontra ao redor de 1,7% do PIB.
Por mais problemas que haja com a política fiscal brasileira, da qual sou crítico há tempos, não há como dizer que o Estado brasileiro exiba uma postura “Ponzi”; pelo contrário, solvência não é o problema. A conclusão dos autores se apóia na confusão entre taxas nominais e reais de juros, além de ignorar o efeito do crescimento real do produto.
Recapitulando, pois, por mais sofisticado que se pretenda o argumento da conexão do mercado de dívida e mercado monetário, a verdade é que: (1) taxas longas e curtas de juros são ligadas em qualquer lugar do planeta, dado que, na base da taxa longa, temos a trajetória (esperada) das taxas curtas; (2) em situações de incerteza a taxa longa incorpora um prêmio de risco, mas isto não implica que alterações no perfil da dívida tenham impacto sobre taxas curtas de juros; e (3) não é justificável afirmar que as taxas longas de juros no Brasil incorporem risco de insolvência e, assim, contaminem as taxas curtas, dado que a trajetória de dívida pública é de redução, por conta de um superávit primário que, mesmo inferior ao que seria desejável do ponto de vista de controle da demanda doméstica, ainda é bem superior ao mínimo requerido para estabilizar a dívida.
Posto de outra forma, o argumento dos autores sobre a origem das altas taxas de juros no Brasil não para em pé. Alguém ainda se surpreende?
Este artigo do Oreiro e Paula é triste e seus comentários sobre cada ponto foram uma verdadeira aula. Muito Bom!!!!
Valeu Mansueto. Abraço grande.
Não sei se fiquei mais impressionado com sua paciência ou com a qualidade do texto. Fazia tempo não via uma desconstrução tão bem elaborada como a deste post. Realmente uma aula. Parabéns.
Roberto Ellery
Boa!
Acho que a UnB deveria providenciar um estágio compulsório para o Oreiro na tesouraria de um banco, de planilhar mesmo. Mais de década falando de juros e câmbio e o cara ainda não faz idéia de o que é arbitragem (e esse não é o primeiro artigo que mostra isso).
Excelente aula de macro. E o interessante é que um aluno de graduação exposto ao Blanchard da graduação, ao Krugman e Obstfeld ou equivalentes, com passagens de Giambiagi e Além, tem condições de acompanhar o debate.
Como alguém escreveu certa vez, e acho que foi o William Baumol, o ensino é uma atividade em que todos aprendem. O Alex afia argumentos por ter a paciência de analisar e rebater detalhadamente os argumentos do artigo do Oreiro e seus parceiros PK. Talvez o Oreiro também aprenda, pois, por incrível que pareça, já o ouvi defendendo o estudo da macro do mainstream perante um grupo de professores e alunos mais radicais que queriam abolir tudo que soasse main stream de um certo currículo de curso de Economia.
A substituição da poupança interna pela poupança externa teve boa discussão nos anos 1970. Li certa vez artigos do GF Papanek, publicados em 1972 e 1973, que tratavam exatamente dessa questão. Acho que o Bacha também ciscou nessa área. Eu até cometi algumas regressões sobre isso para ganhar meu título de mestre. Mas o Alex discute isso de forma mais atualizada.
"Talvez o Oreiro também aprenda, pois, por incrível que pareça, já o ouvi defendendo o estudo da macro do mainstream perante um grupo de professores e alunos mais radicais que queriam abolir tudo que soasse main stream de um certo currículo de curso de Economia."
Detalhes, por favor!
Não Alexandre, isto não é certo. Isto é tão claramente um desperdício do seu tempo que não pode ser certo.
O Oreiro e o Sicsu sabem, pois estavam juntos naquela noite, num evento promovido por estudantes de economia. Eu até passei a vê-los com mais simpatia. Pelo menos motivam este blog a gerar ótimos posts. Mais que isso não revelo, pois não quero criar animosidades com colegas.
Ok, o Oreiro não é alguém que mereça credibilidade, mas isso não impede que ele diga coisas certas esporadicamente (mesmo que acompanhadas de argumentos dos mais estúpidos). O Alex derrubou toda sua argumentação, mas acho que se está subestimando a importância do risco soberano na determinação das taxas de longo prazo.
Motumbo is right!
The Anchor
"mas acho que se está subestimando a importância do risco soberano na determinação das taxas de longo prazo."
OK, eu concordo com isso, mas nosso risco soberano (140-150 bps por 5 anos) não consegue explicar a diferença de taxa real de juros, concorda?
E eu que pensava que analise de sustentabilidade da divida fosse matéria de graduação, que nenhum curso de graduação que se prezasse deixasse alguém pegar o diploma sem saber montar uma planilha para calcular.
Excelente texto, muito útil e didático. E demonstra seu fôlego e a capacidade de lidar com o amontoado de tolices sem perder a ternura. Muito bom.
O cara para exercitar seus dogmas de esquerda light tem que criar uma realidade paralela e chutar a lógica para o espaço. Mas tenho alguma esperança no surgimento de um Krugman brasileiro.
Fernando A.
Não entendo por que chama aquilo de "esquerda light". Não é nem esquerda (afinal defendem maior concentração de renda) nem light (afinal representam as trevas da ignorância.
Excelente texto. Mas, que o Oreiro só escreve besteiras é quase uma redundância, porém, a pergunta que não quer calar é: Alex, por que a taxa de juros real do Brasil é tão alta? Qual a sua explicação?
PS: O argumento do Oreiro sobre a culpa das LFTs sobre a taxa de juros na realidade é do Fernando Holanda Barbosa, em um artigo publicado na REP, anos atrás.
Quando eles saem do expediente, sexta-feira, 13:45, vão pro boteco tomar uma cervejas, eles se denominam assim. Se acreditam humanistas, cientes das dores do mundo, levemente superiores, divulgando uma economia meio impressionista que passa por cima dos pequenos detalhes. Mas somente produzem um lixo que recicla e atualiza nossas cagadas de sempre e perpetua nossa mediocridade trágica. Chamá-los de esquerda light é muita condescendência mesmo.
Fernando A.
"por que a taxa de juros real do Brasil é tão alta? Qual a sua explicação?"
Quinta-feira…