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O livro tem futuro? Por Jaime Pinsky

O livro tem futuro?

Por Jaime Pinsky

…O historiador é modesto, mas é sério. Ele sabe que o futuro é difícil de prever, muito difícil. E o motivo é simples: olhando para trás temos clareza sobre o caminho percorrido, ele nos parece lógico, óbvio até. Olhando para frente nosso cenário é de muitos trajetos, todos aparentemente viáveis…

O que vai acontecer com o livro? Ele continuará existindo no papel ou apenas digitalmente? Neste caso, não acabará sendo ultrapassado por mídias mais modernas? Muitos acham que pelo fato de eu ser autor, editor e historiador tenho a obrigação de saber o que o futuro reserva ao livro.
Confesso aos interlocutores, um pouco contrariado, não ter instrumentos adequados para prever o futuro. Tento explicar que o historiador é, por profissão, um camarada modesto: ele tenta explicar o que já aconteceu, e por vezes até elabora uma narrativa coerente. Não tem a pretensão dos economistas que insistem em fazer previsões… e quase invariavelmente erram.
Nem dos adivinhos de plantão que a cada final de ano cometem a proeza de profetizar sobre coisas óbvias e genéricas: garantem que ocorrerá a queda de alguma aeronave; que um artista muito famoso morrerá; que guerras continuarão assolando o Mundo Árabe e a fome não abandonará a África subsaariana (minha avó Sara é capaz de fazer “previsões” como essas…).
Já o historiador, no máximo consegue explicar os “comos” do passado, raramente os “porquês”. E esses são os bons profissionais. Pior são aqueles que não têm pudor em alterar os fatos acontecidos para que se encaixem melhor em suas teorias. Historiador que se preza também não se dispõe a produzir ficção fingindo que é História, ou, em um neologismo descarado, uma “reportagem do passado”…
Nada disso. O historiador é modesto, mas é sério. Ele sabe que o futuro é difícil de prever, muito difícil. E o motivo é simples: olhando para trás temos clareza sobre o caminho percorrido, ele nos parece lógico, óbvio até. Olhando para frente nosso cenário é de muitos trajetos, todos aparentemente viáveis.
Qual deles será o mais adequado, qual nos levaria a um beco sem saída? Não sabemos.
Que historiador poderia ter previsto que em 1985 que teríamos um presidente eleito pelo Congresso e morto antes de tomar posse, pelo menos dois outros depostos antes de completar o mandato, um intelectual, um operário e uma mulher eleitos pelo voto direto?
Quem sonharia em ver banqueiros, grandes empresários e políticos importantes atrás das grades, marqueteiros denunciando antigos chefes, governadores desonestos condenados, candidatos a candidatos tremendo de medo? Ninguém.
Mais ainda: há meio século imaginava-se para o século XXI o tráfico urbano com veículos zanzando nas alturas, aviões supersônicos ligando os continentes, viagens rotineiras para a Lua, um mundo de robôs nos servindo em tudo e para tudo. Nada disso aconteceu. Por outro lado ninguém previu algo que provocou mudanças radicais na vida cotidiana dos habitantes do planeta: a Internet, com celulares, mídias sociais e todo o resto. É pouco?

…a era de Gutemberg está acabando. A leitura de livros como hábito universal (estamos, é claro, falando de pessoas plenamente alfabetizadas e com acesso ao livro, comprando ou tomando emprestado de bibliotecas) está se esgotando.

Assim, o prudente é seguir um conselho que me dava Francisco Iglesias, talentoso e machadiano historiador mineiro, já falecido: “Não se arrisque a fazer previsões para o ano que vem, fale sobre o que vai acontecer daqui um ou dois séculos. Mesmo que erre, nenhum leitor estará aqui para cobrar seus enganos”. Seguirei o sábio ensinamento. Cobrem meus acertos ou erros em 2117.
E aí vai minha primeira previsão: o livro vai continuar existindo.
E a segunda: haverá leitores de livros.
Não bastassem essas duas, arrisco uma terceira: editoras continuarão sendo fundamentais.
Contudo…
A era de Gutemberg está acabando. A leitura de livros como hábito universal (estamos, é claro, falando de pessoas plenamente alfabetizadas e com acesso ao livro, comprando ou tomando emprestado de bibliotecas) está se esgotando. Países desenvolvidos tiveram sua fase de cultura oral, que foi, em grande parte, substituída pela cultura escrita. Países como o nosso nem chegaram a ter um período com prevalência da cultura livresca: saltamos diretamente do oral para o virtual… Com isso, a maior parte da população se satisfaz com truísmos repetidos à saciedade, com bobagens pomposas, com pseudoverdades profundas deslocadas de seu contexto circulando pelo ar que nos cerca (tem gente que acha até que eles colaboram na poluição das cidades).
Mas sempre haverá uma elite cultural, originária de diferentes extratos socioeconômicos da população, que lerá, aprenderá coisas com profundidade e será a criadora de softwares que serão utilizados pela manada. Esta continuará postando bobagens dentro de um universo de referências criado pela elite cultural, gente criativa.
Os leitores de livros, enfim…

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JAIME_PINSKYJaime Pinsky – historiador e editor, doutor e livre docente da USP, professor titular da Unicamp, autor de As primeiras civilizações, entre outros livros

jp@editoracontexto.com.br

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