Pecado original

Tempos atrás um dos
luminares da heterodoxia econômica no país argumentava, um tanto cinicamente,
é verdade, que a tarefa de controlar a inflação não podia ser deixada
exclusivamente a cargo do Banco Central, mas deveria envolver o “governo todo”.
Era, contudo, outra época; suas sugestões foram devidamente ignoradas e seu
potencial destrutivo ficou limitado a outras áreas de atuação. Mais
recentemente, porém, estas ideias voltaram a ganhar força.
Em meados de 2011,
apostando na desinflação que viria do frio, o BC embarcou num programa
temerário de redução da Selic apesar das claras tensões inflacionárias então
existentes. Desprezando décadas de estudos cortou a taxa de juros mesmo com
expectativas crescentes de inflação, dando a entender que seu compromisso com a
meta já não existia. Perdeu, portanto, a capacidade de “ancorar” as
expectativas inflacionárias, isto é, de convencer agentes econômicos que o
melhor “palpite” para a inflação seria a própria meta.
Não bastasse o descaso
do BC, o governo federal adotou uma política fiscal extraordinariamente
expansiva, mal-e-mal disfarçada por uma contabilidade criativa facilmente
detectável por qualquer analista com um mínimo de experiência no assunto. Os
gastos federais, sem contar as transferências a estados e municípios, saltaram
de R$ 795 bilhões (17,8% do PIB) em 2010 para R$ 927 bilhões (19,0% do PIB) em
2013, já descontada a inflação do período.
Em outras palavras, as
políticas que deveriam agir no sentido de reduzir a inflação atuaram na direção
oposta, agravando o problema. E foi aí que as ideias descartadas em tempos mais
sérios começaram a voltar. Assim, ao invés de tratar as causas da inflação, o
governo (“como um todo”) passou a se concentrar nos sintomas. Reduções
localizadas de impostos e controles de preços substituíram as políticas
monetária e fiscal.
Apenas o subsídio ao
consumo de energia custou pouco menos de R$ 8 bilhões ao Tesouro no ano passado
(outros R$ 2 bilhões vieram de contas de reservas), o que se adiciona a perdas
não reveladas da Petrobras, originadas da desastrosa iniciativa de manter os
preços domésticos de combustíveis inferiores aos internacionais. Isto para não
mencionar a renúncia fiscal dos impostos sobre, por exemplo, a cesta básica.
Agora, devido à
situação precária dos reservatórios e, portanto, uso mais intenso da energia
termoelétrica, já se fala na necessidade de mais R$ 18 bilhões em 2014 para
indenizar as empresas, impedidas de repassar os custos mais altos por receio
dos efeitos sobre a inflação. Com as contas de reservas esgotadas, trata-se de
recursos do Tesouro que beneficiarão os maiores consumidores de energia, não
exatamente a parcela mais pobre da população. E o governo ainda vem acenar com
promessas de moderação fiscal…
A verdade é que, como
ocorrido em outros países, a tentativa de engajar “o governo todo” na tarefa de
controlar a inflação para “ajudar o BC” implica exatamente o oposto.
Em primeiro lugar
desestimula a expansão da oferta, como ficou claro, por exemplo, na redução do
volume de investimentos do setor elétrico após a edição da MP 579 em setembro
de 2012, ao mesmo tempo em que incentiva o aumento do consumo, agravando o
problema setorial. Do ponto de vista macroeconômico, adiciona ao déficit
fiscal, fator que impulsiona a inflação à frente, depois de passado o alívio
transitório sobre os índices de preços.

Quem teve a
oportunidade de seguir o padrão de política econômica argentina pós-2004 não há
de ter dificuldade de achar paralelos entre o Brasil de hoje e a Argentina há
10 anos. Os desequilíbrios fiscais e cambiais, assim como as várias instâncias
de controles de preços que puseram a economia platina de joelhos, tiveram
origem precisamente na recusa em lidar com o problema inflacionário. Sabemos o
fim do filme, mas ninguém parece interessado em mudar o roteiro.
(Publicado 12/Fev/2013)

12 thoughts on “Pecado original

  1. Bom dia Alexandre!
    Eu penso que o objetivo desde o inicio deste governo é exatamente o que está ocorrendo hoje. Nao creio qe seja incompetencia. O objetivo esta sendo alcancado. Por que isto?
    Deixo para especialistas.

  2. Sobre inflação, casamento e samba

    Em minhas elucubrações sobre o atual problema inflacionário brasileiro, uma das vertentes principais que gosto de explorar são hipóteses que explicariam os motivos pelos quais o Banco Central do Brasil não tem conseguido cumprir a missão principal que lhe foi confiada pela sociedade, qual seja, assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda. Essas hipóteses são as seguintes:

    Hipótese 1: O BACEN segue estritamente as orientações de política econômica emanadas da presidente Dilma e do seu ministro da Fazenda. Assim, se Dilma amanhece com vontade de baixar os juros, basta estalar os dedos para que entre em campo um voluntarioso, solícito e tempestivo Banco Central para operacionalizar a obra. Esse é o pior cenário, posto que sinaliza um problema oculto gravíssimo, até de caráter institucional, sendo óbvios os motivos. E assim o BACEN poderia estar de fato perseguindo, isolada ou conjuntamente, uma meta de baixo desemprego ou de juros baixos, ou de câmbio competitivo, vai lá saber… Sinceramente, não creio nessa hipótese, embora reconheça que o último ciclo de baixa da SELIC, que seria um marco do governo Dilma, pode ter sido o resultado de um arranjo dessa natureza. E o namoro duradouro, quase um casamento, do IPCA com o teto da Meta de Inflação é um possível corolário dessa hipótese.

    Hipótese 2: Embora goze de autonomia operacional, o BACEN calibra alguns parâmetros dos seus modelos com informações prospectivas exclusivamente oriundas da Fazenda, sempre muito otimistas, sem fazer o devido tratamento analítico dos números, o que gera resultados de Política Monetária ineficientes. Isso explica o fato de que em diversas passagens de diversos RI´s e de outros documentos correlatos, fala-se em Política Fiscal neutra ou caminhando nessa direção, quando, na prática, esta seguia expansionista ao extremo e ainda “maquiada” pelo que se convencionou chamar de contabilidade criativa. E o namoro duradouro, quase um casamento, do IPCA com o teto da Meta de Inflação é um possível corolário dessa hipótese.

    Sob a hipótese 3, o poderoso DSGE do BACEN, internamente batizado de SAMBA, está estruturalmente desajustado, de forma que, mesmo havendo um tratamento/filtro adequado de variáveis fundamentais para o modelo, tais como a dinâmica da Política Fiscal (rejeita-se a hipótese 2), os resultados da Política Monetária, conduzida por uma autoridade monetária operacionalmente autônoma e absolutamente comprometida em fazer a inflação oficial convergir para 4,5% a.a.(descarta-se a hipótese 1), chega-se sempre a resultados igualmente ineficientes. Para exemplificar, basta dizer que o BACEN sequer conseguiu “entregar” um IPCA de 2013 menor do que o de 2012, embora tenha se comprometido com esse resultado medíocre, uma meta secundária que institucionalmente sequer existe, ao longo do último ano. E o namoro duradouro, quase um casamento, do IPCA com o teto da Meta de Inflação é um possível corolário dessa hipótese.

    Enfim, são apenas hipóteses, mas sob qualquer uma delas estamos diante de um problema gravíssimo e cujas soluções são extremamente complexas, mas sem as quais o casório tem tudo para se concretizar, quem sabe ainda em 2014, numa festa de gosto bastante duvidoso, com poucos convidados e ao som de um samba de péssima qualidade.

  3. Alex

    Pena que exista o acordo entre você e a empresa de só publicar o artigo no blog após uma semana.

    Reli para depois ir ao endereço linkado no início do artigo. Queria saber, desde a semana passada, a que época e a quem você se referiu. E foi assim que finalmente entendi quais eram "as ideias descartadas em tempos mais sérios [e que] começaram a voltar."

    Não sou economista e meu conhecimento de Keynes está no nível de um verbete da Wikipédia. No entanto, acho um acinte atribuir a Keynes o que estes economistas fazem.

    Esta frase no artigo me pareceu confusa:

    Do ponto de vista macroeconômico, adiciona ao déficit fiscal, fator que impulsiona a inflação à frente, depois de passado o alívio transitório sobre os índices de preços.

    Não entendi claramente o que você quis dizer com "adiciona ao déficit fiscal", que aparece entre vírgulas. Exatamente, adiciona o que ao déficit?

    Abs.

  4. "Não entendi claramente o que você quis dizer com "adiciona ao déficit fiscal", que aparece entre vírgulas. Exatamente, adiciona o que ao déficit?"

    Controles de preços públicos (subsídios) aumentam o déficit, p.ex., os preços de energia, passagens de ônibus, etc.

  5. Estive na patagonia, estão deitados em enormes reservas mas não há dinheiro para prospectar.

    O ridículo da nossa situação só mudam os atores, ao invés de gás, água.

  6. Alex, você poderia comentar a significado econômico das reservas em ouro do país e se é verdade que estas foram vendidas no período do governo FHC (em razão da bancarrota). O país teria de aumentar suas reservas do metal precioso? Pq as atuais reservas brasileiras são tão baixas comparadas com outros países (Brasil=67 ton; Portugal>300ton)?

  7. Eu nao sei porque esse governo nao privatiza tudo. Privatiza a Petrobras, o Bando do Brasil, a Caixa Economica…Privatiza hospital, estrada, presidio, universidade…privatiza tudo. Eles nao sabem administrar nada mesmo. Iriam arrecadar muito mais em impostos e gastar muito menos (metade desse funcionalismo publico que nao faz nada iria pra rua), melhorando a parte fiscal. Olha quanto da pra arrecadar engordando as reservas!!Me coloquem na Presidencia da Republica que eu resolvo tudo em 06 meses rsrs. Ainda nomearia o Alexandre Presidente do BC rsrs.

  8. Eu nao sei porque esse governo nao privatiza tudo. Privatiza Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Economica…privatiza estrada, porto ,aeroporto,hospital, presidio, universidade…privatiza tudo. Eles nao sabem administrar nada mesmo. Melhoraria a parte fiscal, aumentando a arrecadacao. Diminuiria os gastos, metade ou mais desses funcionarios publicos iriam pra rua, ja que nao fazem nada mesmo. Abriria caminho com a tao sonhada queda de juros com inflacao baixa. Arrecadaria um monte com a venda , mel.horando as reservas. Me coloquem na Presidencia que eu resolvo o problema economico do Brasil em 06 meses rsrs. Vou nomear o Alexandre Presidente do BC tambem rsrs. Falando serio , o Brasil com esse povinho eh dificil ter jeito. Nao sei qual eh pior o povo ou o PT.

  9. ALexandre e O Anônimo

    Pelo jeito vocês nunca leram a crítica de Sraffa (1926), se tivessem lido saberiam que seus modelos econômicos são até mesmo lógicamente errados, além de irreais.

    Bom, isso é o que ouvi de um professor de um centro heterodoxo.

    Orai por nós

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter