Dopagem “intelectual”. Por Alexandre Schwartsman
Dopagem “intelectual”
Por Alexandre Schwartsman
…Não é segredo para ninguém que tenha o hábito saudável – ainda que infelizmente pouco difundido – de olhar os dados que não há quaisquer sinais de austeridade, pelo menos do lado fiscal. Ao contrário, o que se vê é um processo contínuo de aumento do gasto público…
Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo, coluna do autor, edição de 5 de abril de 2017
Na luta acirrada para produzir fatos alternativos keynesianos de quermesse teimam em afirmar que a atual recessão, a maior dos últimos 85 anos, se deve à austeridade adotada no período pós-2014. Desemprego, miséria, fome, guerra, peste e até unha encravada são atribuídos à política neoliberal e ao desmonte do Estado, patrocinados inicialmente pela presidente Dilma Rousseff (pausa para gargalhada incontrolável) e, mais recentemente, pelo presidente Temer.
Refeito do acesso de riso, minha reação óbvia é: “Austeridade? Onde?”. Não é segredo para ninguém que tenha o hábito saudável – ainda que infelizmente pouco difundido – de olhar os dados que não há quaisquer sinais de austeridade, pelo menos do lado fiscal. Ao contrário, o que se vê é um processo contínuo de aumento do gasto público.
É verdade que os números foram bastante poluídos por “pedaladas” e “despedaladas” e que a própria crise econômica realimentou o fraco desempenho fiscal, dado que receitas tributárias costumam flutuar em linha com o crescimento econômico. Fica assim mais difícil avaliar o que tem ocorrido com a política fiscal, mas não chega a ser uma tarefa intransponível.
Recentemente, por exemplo, a Instituição Fiscal Independente, órgão do Senado Federal que tem produzido pesquisa de boa qualidade, apresentou estimativas do desempenho fiscal que buscam dar uma base numérica mais sólida a esta variável, seguindo metodologia proposta pelo Fundo Monetário Internacional.
O primeiro procedimento consiste em “limpar” receitas e despesas extraordinárias, para que possamos observar os números fiscais ditos “recorrentes”. Assim, por exemplo, retira das receitas itens atípicos, como a repatriação de recursos no ano passado, antecipação de dividendos, concessões, etc; já do lado das despesas desconsideram-se fenômenos como a capitalização da Petrobras em 2010 e a correção das pedaladas em 2015, entre outras.
…Num mundo ideal, os defensores da ideia que a austeridade causou a crise teriam que enfiar o rabo entre as pernas; no nosso continuam a dizê-lo, movidos, é claro, a doses cavalares de desonestidade intelectual.
Desta forma, enquanto os dados oficiais apontam para um superávit primário médio do governo federal de 2011 a 2014 de 1,4% do PIB, o superávit recorrente no mesmo período é estimado em apenas 0,5% do PIB, bem abaixo do oficial. Já em 2015 e 2016 o déficit oficial atingiu 2,5% do PIB, mas o déficit recorrente foi ainda maior: 3,5% do PIB.
Como notado, parte da piora fiscal dos dois últimos anos reflete a recessão, requerendo um segundo procedimento, que busca corrigir as perdas fiscais (principalmente de receitas) daí originadas, chegando ao chamado “resultado estrutural”, isto é, limpo tanto de receitas e despesas extraordinárias como dos efeitos do ciclo econômico.
Assim, se o resultado estrutural estiver se reduzindo de um ano para outro (isto é, quando o déficit aumenta, ou o superávit cai) a política fiscal é dita “expansionista”; caso contrário, é “contracionista”.
Os números são eloquentes: de 2012 a 2016 houve contínua expansão fiscal, equivalente a 0,9% do PIB em média. Nos últimos dois anos esta atingiu 0,6% e 1,5% do PIB respectivamente.
Em português, não houve qualquer traço de austeridade, pelo contrário. Num mundo ideal, os defensores da ideia que a austeridade causou a crise teriam que enfiar o rabo entre as pernas; no nosso continuam a dizê-lo, movidos, é claro, a doses cavalares de desonestidade intelectual.
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* ALEXANDRE SCHWARTSMAN – DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS
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(O Blog A MÃO VISÍVEL, de Alexandre Schwartsman, integra o Site Chumbo Gordo, no http://www.chumbogordo.com.br/categorias/a-mao-visivel/