paRLAMENTARISMO

Olhando para o futuro. Por Manoel Gonçalves Ferreira Filho

– A inviabilidade do parlamentarismo no Brasil –

paRLAMENTARISMO

… Fato é que esse quadro partidário inviabiliza na atualidade o parlamentarismo no Brasil. Tal quadro é também negativo para o presidencialismo, mas neste um mínimo de governança sobrevive, ou pode sobreviver durante um mandato, embora sujeita a “tempestades”. Igualmente, na figura dos candidatos se pode (com boa vontade) identificar uma pálida orientação.

Quando ocorrem crises de governança é habitual que se contraponham às deficiências de um sistema os méritos de outro. Disto decorre que onde vigora o presidencialismo se propõe a substituição pelo parlamentarismo, onde vigora o parlamentarismo, pelo presidencialismo.

A história brasileira o demonstra. Em 1889, a repulsa pelo parlamentarismo imperial propôs o presidencialismo que a República adotou. Em 1961, uma séria crise levou à substituição do presidencialismo por um parlamentarismo efêmero. Na elaboração da Constituição de 1988, propôs-se contra o presidencialismo autoritário um parlamentarismo que não chegou a ser adotado. Entretanto, tão forte era impulso para tanto que obteve um referendo, realizado em 1993, em que a mudança foi rejeitada. E ainda hoje quando se critica a má governança presidencialista vem à pauta a implantação do parlamentarismo.

E isto hoje se renova.

Reconheça-se que tanto o sistema presidencial de governo quanto o sistema parlamentar, na experiência mundial, foram capazes de efetivar uma boa governança globalmente falando. Não se pode negar, o êxito do governo parlamentarista na Inglaterra, nem de governo presidencialista nos Estados Unidos. Houve, sem dúvida, períodos de má governança, mas, numa visão geral, tiveram mais êxito do que insucesso.

Entretanto, não se pode ignorar que o êxito ou o fracasso de um sistema é profundamente influenciado pelas condições sociopolíticas do País. Estas, pesam até mais do que a personalidade dos que eventualmente exercem o poder. Elas são permanentes enquanto os homens são passageiros.

O parlamentarismo tem o mérito de ser um regime de colaboração entre os Poderes. De fato, a governança, a condução dos negócios públicos, se faz por meio de um Gabinete que exerce o Executivo – use-se a terminologia clássica – Gabinete este que depende da confiança da maioria parlamentar, a qual tem em mãos a legiferação. Neste quadro, o Gabinete ganha autoridade como cúpula da maioria parlamentar. E, como num Estado de Direito toda ação do Executivo está sujeita à forma e ao conteúdo da lei – obra do legislador, a maioria parlamentar – isto lhe propicia o meio necessário para realizar as medidas que deseja implementar.

Esta visão idílica, porém, depende de um ponto de apoio – a solidez ou estabilidade da maioria parlamentar. Se ela existe, como se dá no Reino Unido, o Gabinete também tem estabilidade e tem o poder necessário para governar eficazmente. Se não há esta solidez e estabilidade, o Gabinete não dura no poder, nem tem força para governar de modo eficaz. Foi o que ocorreu na França das III e IV Repúblicas, na Itália, pós 1948, e em toda parte onde existe o polipartidarismo.

Onde, porém, existe um exagerado pluripartidarismo – o polipartidarismo – normalmente o que ocorre é “mais do mesmo”. Há uma “dança de cadeiras”, mudam-se Gabinetes ministros de um posto para outro, e o novo Gabinete se escora na mesma coalizão, ou quase, que fora derrubada. E, dependente desse apoio, a governança segue no mesmo caminho, nada muda, nada se resolve, a governança não tem sucesso e o povo sofre as consequências disto.

O polipartidarismo é um efeito perverso do sistema eleitoral proporcional.

Este sistema, como demonstrou Duverger há cem anos, tende a gerar a multiplicação de partidos, ao contrário do majoritário, em turno único, que tende a produzir um bipartidarismo. Exemplo disto é o Brasil que possui 30 partidos que elegeram deputados em 2018, mais 3 registrados (e o número em processo de formação em curso no TSE é incontável).[1]

A razão é simples. Ele não pune as dissidências, as rupturas partidárias, as divergências doutrinárias (mesmo mínimas), porque os mandatos são distribuídos em proporção dos votos que cada corrente obtiver. Assim, uma sutil divergência doutrinária pode gerar um partido novo, sem que isto prejudique a elegibilidade dos divergentes. Ou a ambição dos membros insatisfeitos.

O exemplo típico ao tempo do regime de 1946 foi o caso do PTB, do qual provieram PTN, PST, POT, PRT… E, no atual regime, o caso PT – PSOL. Assim sendo, o sistema proporcional leva naturalmente a uma multiplicação ilimitada de partidos, salvo se lhe for oposta uma cláusula de barreira, como se dá na Alemanha, onde o partido que não obtiver 5% dos votos não elege ninguém.

Ora, esta multiplicação quando ultrapassa o razoável tende, por um lado, a esfarinhar a representação entre numerosos partidos – apenas 30 no Brasil. E acaba por deixar em campo apenas pequenos partidos – igualmente é o caso brasileiro, em que o “vencedor” das eleições de 2018 elegeu cerca de 10% da Câmara e 17 elegeram menos de 10 deputados.

Assim, no caso do parlamentarismo, a sustentação do Gabinete exigiria uma coalizão de inúmeros partidos – no Brasil, a dos 9 maiores, por exemplo – e coalizões são sempre e em toda parte instáveis. O que obviamente leva à instabilidade governamental e, esta, à impotência na governança.

Por outro lado, tal multiplicação esvazia o substrato doutrinário, ou, se se preferir, ideológico, dos partidos. Estes se tornam meros rótulos para uma máquina que não objetiva senão o de alcançar o poder. E isto se apercebe, por exemplo, no quadro partidário brasileiro. Se já é difícil identificar a doutrina – não o interesse – que inspira um Partido da Mulher Brasileira – PMB, mais difícil ainda é descobrir a de um PAT – Partido Alternativo do Trabalhador, de um PCS – Partido Carismático Social e outros em organização.

Neste quadro, falar o programa perde totalmente valor (e o eleitor não se dá ao trabalho de o ler). Em teoria, um Kelsen via no programa a expressão de uma intenção para a governança, de maneira que o povo ao votar, escolheria indiretamente a política a ser posta em prática pela pelos governantes. Assim, a democracia pelos partidos ensejaria numa eleição não apenas a escolha dos governantes, mas daria ao povo uma participação na seleção da meta da governança – a realização do programa. Assim ela não se resumiria meramente na escolha pelos futuros governados dos futuros governantes. É exatamente por esta razão que se previu a fidelidade partidária. Lembrá-lo hoje parece irrisão.

Na verdade, as campanhas eleitorais não são mais feitas em nome de programas, mas sim em torno de slogans ou personalismos. As promessas são obra não de doutrinadores e sim de marqueteiros que se guiam pelo que rende votos e de modo algum os afasta. Por isso, todos os pseudo programas pregam todos, em ordem variada, a liberdade, a igualdade, a justiça, a redução das desigualdades, a proteção das minorias, conforme for a moda. Claramente se vê isto no Brasil.

Fato é que esse quadro partidário inviabiliza na atualidade o parlamentarismo no Brasil.

Tal quadro é também negativo para o presidencialismo, mas neste um mínimo de governança sobrevive, ou pode sobreviver durante um mandato, embora sujeita a “tempestades”. Igualmente, na figura dos candidatos se pode (com boa vontade) identificar uma pálida orientação.

Enfim, nem parlamentarismo, nem presidencialismo atendem, no Brasil, no quadro presente, à exigência de uma melhoria na governança. Esta melhoria pode advir de um sistema misto, um semipresidencialismo que de outro lado é um semiparlamentarismo, como já foi defendido em trabalho anterior, intitulado Olhando para o futuro. Os sistemas de governo e as crises de governança.[2]

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Manoel Gonçalves Ferreira Filho –  Professor Emérito de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

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 26/05/2021

[1] A lista publicada pelo TSE ocupa páginas e páginas, razão por que desisti de contá-los.

[2] Chumbogordo 18.03.2021.

 

 

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