De pesos e medidas

Na semana passada fui
convidado a debater a tese do governo, que atribui o mau desempenho da economia
brasileira à desaceleração global. Obviamente discordo deste diagnóstico e os
18 leitores já foram submetidos mais de uma vez ao tema. Podem, porém, ficar
aliviados, porque não pretendo tratar do assunto mais uma vez.
A discussão, contudo,
me fez pensar acerca dos argumentos que são normalmente utilizados pelo governo
e seus partidários, em particular o pouco respeito que costumam reservar à
coerência e consistência interna. Parece um pouco abstrato, mas, se me derem um
tanto de crédito, acredito que a questão se elucida em um parágrafo ou dois.
Tome-se, por exemplo, a
tese da desaceleração doméstica versus o crescimento mundial. Independentemente
de sabermos se houve, ou não, menor expansão global que possa explicar nosso
fraco desempenho recente (não houve, caso queiram saber), será que os
proponentes da tese estariam dispostos a defendê-la em circunstâncias distintas?
Em particular, governo
e partidários admitiriam que o crescimento observado no período 2003-2010
resultaria do impulso global, ou insistiriam que decorreu da liderança
inspirada do presidente Lula durante seu governo? A pergunta é retórica, claro,
pois já sabemos que a resposta é a segunda alternativa.
Isto dito, se creem que
o crescimento do país lá atrás resultou de seus acertos, como seria agora
possível argumentar que a desaceleração vem de fora, e não dos erros de
política econômica? Eu ganho, nós empatamos e vocês perdem?
Também na questão
inflacionária a assimetria impera. Assim, hoje o BC atribui a aceleração e a
persistência da inflação à “mudança de preços relativos”, apelido do aumento de
preços administrados e da desvalorização da moeda. Todavia, quando a variação
de preços administrados caiu a 3,6% (em 2012) e 1,5% (em 2013), o BC não veio a
público externar sua preocupação com uma inflação ainda na casa dos 6% ao ano, apesar da ajuda extraordinária dos
preços administrados. Pelo contrário, comemorou que a variação do IPCA não
havia ultrapassado o limite de 6,5%.
Diga-se, aliás, que a
assimetria de análise do BC não se limita ao comportamento dos preços
administrados. Ao dólar mais caro se atribui a inflação mais elevada, mas, ao
mesmo tempo, o BC sugere que, no futuro, o repasse do dólar para a inflação
será menor. Portanto, para o BC o dólar caro é causa da inflação passada, mas,
de alguma forma, não fará rodar os moinhos da inflação futura…
Dado que a inflação do
primeiro trimestre deste ano deve ficar em torno de 1,3% ao mês (algo como 17%
ao ano!), procuro fervorosamente artigos de Nakano que demonstrem alguma apreensão
com o ritmo de aumento de preços, da mesma forma que argumentava que a inflação anualizada dos três meses terminados em julho
de 2014 já estava abaixo da meta
. Não se preocupem, porém, pois não cheguei
(nem chegarei) a perder o sono por não ter encontrado nenhuma palavra dele a este
respeito.
A isto se somam todos os que defenderam incondicionalmente a política
econômica

em vigor nos últimos anos e que agora posam de críticos ferozes, numa tentativa
desajeitada de se distanciar do fracasso.

Não haveria, num mundo
ideal, condições para estas instâncias de desonestidade intelectual. Como não é
nele que vivemos, porém, resta apontar as incoerências e as inconsistências, na
vã esperança que, da próxima vez, ao menos passem a pensar com mais cuidado nas
consequências lógicas das suas próprias “análises”.
(Publicado 8/Abr/2016)

18 thoughts on “De pesos e medidas

  1. Essa turma não discursa para os que tem conhecimento e pensam, pois os argumentos e a lógica nunca fazem sentido. Eles falam para a galera menos instruída, galera esta que agora sofre com os horrores da politica econômica (e roubalheira escancarada)!

  2. Excelente artigo. Se eles tivessem a humildade de recolhecerem os erros que estavam comentendo, não estariamos com uma inflação estourando a meta. E tudo passa como se nada estivesse ocorrido, como se tivessem o direito a tudo. Triste Brasil.

  3. Eu estou ressentido com a Economia da Unicamp, pois paguei para fazer uma especialização e ouvi muita besteira por lá.
    Mas me espanta que estejam falando contra! Normalmente eles dão explicacões fantásticas de pq, mais uma vez, sua teoria não funcionou na prática… Chega a ser hilário
    O que sumiu foram os intelectuais que leem Carta Capital dizendo como foi estratégico o porto em Cuba… CPI do BNDES já!

  4. Carlos Emerson says: 16 de abril de 2015 05:53 Reply

    "Penso que nosso desafio como economistas e instrutores está em tentar encontrar "alguma luz" no final do túnel, principalmente aos empresários e empreendedores que nos ouvem".

    Devido a este guverno, economistas estão completamente desmoralizados.

    Qualquer empresário no país sabe que a luz no fim do túnel é o trem na contramão

  5. Por gentileza, o senhor toparia trocar a foto sua com a camisa do SPFC para uma camisa com a frase Menos Marx Mais Mises,para ajudar o movimento liberal?

  6. Opa!!! Colocar todos os economistas brasileiros no mesmo saco não é correto!
    Diversos previram a merda que a política quermesseira da aluna da Unicamp daria, inclusive o dono deste blog!
    A luz no fim do túnel é nossa conhecida!
    Politica fiscal responsável!
    BC independente e meta de inflacao levada a serio!
    Investimento público em infraestrutura
    Melhora da eficiência do estado, de preferência com sua redução não em setores básicos!
    Esqueci alguma coisa? Tem algo novo nesta receita?

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