Traga aquela pedra de volta…

Impossível não tratar
das consequências do referendo grego, que no último domingo rejeitou as
condições impostas pelos credores para manter o programa de financiamento ao
país. Para ser sincero, não me espantou o resultado: colocado entre mais e
menos austeridade, não havia razão para crer que os gregos fossem escolher nada
diferente do que afinal decidiram.
Com base nisto o
primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, acredita ser capaz de obter condições
para uma negociação mais favorável, obtendo não apenas um alívio no que se
refere ao ajuste fiscal, mas também, e principalmente, uma redução expressiva
da dívida grega. Inclusive, aparentemente para sinalizar seu interesse em
retomar as conversas com países credores (e o FMI), demitiu seu Ministro da
Fazenda, cujo relacionamento com seus pares europeus havia se deteriorado
extraordinariamente.
Entre, porém, suas
crenças e a realidade há muito mais do que parece supor sua vã filosofia.
Para começar porque, ao
menos do ponto de vista formal (e formalidades são importantes no contexto), o
programa de financiamento à Grécia deixou de existir no final de junho. Mesmo
que Tsipras se dispusesse a aceitar todas as condições originalmente propostas
pelos credores (as mesmas rejeitadas pelo referendo), os recursos não estariam
mais disponíveis. Para tanto, os demais países teriam que aprovar junto a seus
respectivos parlamentos um novo programa, o que, nas atuais circunstâncias,
parece arriscado, para dizer o mínimo.
Se isto é verdade, não
é difícil concluir que convencer os credores a aceitarem condições menos
onerosas à Grécia é tarefa de Sísifo (não iria perder a
chance de citar um mito grego). Pelo contrário, o cenário mais provável é que
Alemanha e demais países da União Europeia irão, na melhor das hipóteses,
passar muito tempo analisando qualquer proposta grega, e tempo é a mercadoria
mais escassa na atual conjuntura.
Ainda em julho a Grécia
terá que fazer pagamento de € 3,5 bilhões ao Banco Central Europeu (BCE),
referentes a títulos gregos que vencem nas próximas semanas. No entanto, sem
acordo, o país não terá recursos para pagar a dívida.
Ocorre que, por
questões contratuais, um calote (“default”)
em um título é considerado como um calote em todos os demais papéis emitidos
pelo governo grego. Do ponto de vista legal, portanto, o BCE fica
impossibilitado de receber estes títulos como garantia dos empréstimos de curto
prazo que fez aos bancos gregos.
Em outras palavras, no
momento em que a Grécia der o calote, o BCE devolverá aos bancos gregos os
títulos do país e tomará de volta os euros que emprestou. Isto significa que,
muito provavelmente, os bancos não terão dinheiro para pagar seus depositantes.
Consequentemente também
o governo grego não terá euros para pagar suas despesas (o superávit primário,
construído a duras penas pelo governo anterior, sumiu nos seis meses de governo
do Syriza).
Se a experiência de
outros países em tais circunstâncias, notadamente a Argentina, vale alguma
coisa, o governo grego acabará por emitir promissórias que irão circular como
moeda (como foi o caso do Patacón), tomando gradativamente
o lugar do euro.

E assim deve terminar a
experiência grega com a moeda europeia; não com uma explosão, mas um suspiro.
(Publicado 8/Jul/2015)

3 thoughts on “Traga aquela pedra de volta…

  1. O recente artigo do Coutinho na folha (Roleta Grega http://www1.folha.uol.com.br/colunas/joaopereiracoutinho/2015/07/1654987-roleta-grega.shtml) também comenta sobre isso. E ironiza que a nova proposta acordada seja bem mais exigente que a antiga. Sobre o caso grego, ele comenta ainda que "oferece uma lição aos pequenos "che guevaras" que gostam de brincar à política com a vida de milhões de seres humanos: ocultar a realidade com mentiras e soberba é o primeiro passo para que a realidade nos esmague sem perdão." É desnecessário dizer que versão tupiniquim ele se refere nominalmente no texto e que escreve também na folha…

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