A blindagem e a vírgula. Por Josué Machado
A BLINDAGEM E A VÍRGULA
por Josué Machado
O STF deve decidir se Moreira Franco pode usar a armadura blindada do foro privilegiado oferecida por Temer ou se ficará à disposição de Sérgio Moro. Mas até chegar a isso as vírgulas sofreram muito.
A juíza Regina Coeli Formisano, da 6ª Vara Federal do Rio, suspendeu na última quinta-feira, 9 de fevereiro, por meio de liminar a nomeação de Moreira Franco como ministro da Secretaria-Geral da Presidência.
Ela aceitou a argumentação de que o presidente Temer tentava proteger Moreira com foro privilegiado – coisa evidente. Assim, o antológico Franco de todos os governos ganharia o direito de ser investigado apenas pelo STF – o que significaria, moreiralmente falando, alguns anos de tranquilidade na paz dos palácios, dada a lentidão do mastodonte justiceiro brasiliense.
Não importam aqui aspectos constitucionais, e, sim, questões formais do despacho: a juíza ignora bravamente o uso elementar da vírgula, como demonstra algumas vezes, porque separa por vírgula o sujeito do verbo e o verbo de seus complementos – coisinha das mais feias, considerando que cursou direito, foi aprovada no exame da Ordem dos Advogados e no concurso para juiz.
“Distrações” desse tipo despertam grandes dúvidas sobre a eficiência dos exames dos cursos de direito, da Ordem dos Advogados e dos concursos para juiz. Forma e clareza não interessam?
Alguns vão considerar mesquinharia apontar deslizes formais num documento oficial dessa importância, mas nenhum escriba profissional — jornalista, professor, advogado ou juiz — deveria revelar ignorância tão grande em questões de forma como a doutora Regina, ainda que respeitável por defender a melhor causa. Além do mais, carregando tal nome: Regina Coeli = Rainha do Céu, em latim.
O fato é que, em caso de dúvida, melhor não usar vírgula. O problema é que, se seguisse o conselho, a doutora Regina talvez nunca mais as usasse.
Algumas virguletadas e distrações formais da Rainha:
1.“Peço, humildemente perdão ao Presidente Temer…”
Triste separação do verbo (peço) de seu complemento (perdão). Ou vírgula antes e depois do advérbio “humildemente” ou nenhuma vírguleta.
-
“ …aprendi com elas, mas, também acreditei nelas e essa é…”
A vírgula esvoaçante depois da conjunção “mas” não tem sentido; a doutora se esqueceu de botar a outra vírgula depois do advérbio “também”, como no caso anterior: ou duas vírgulas — uma antes, uma depois — ou nenhuma.
2
“…que não foge aos olhos, do mais humilde dos brasileiros,…”
Jamais se deve separar um substantivo (olhos) de seu especificador (do mais humilde dos brasileiros)
“… também não se afigura coerente, que suas promessas…sejam traídas…”
3
De novo a vírgula entre o verbo e seu sujeito (antes da conjunção integrante).
4
“… que hoje encontram-se indignados e perplexos…”
Aqui, a colocação pronominal açoitada: “… que hoje encontram-se” em vez de “que hoje SE encontram…”
5
“… perplexos ao ver o seu Presidente, adotar a mesma postura da ex-Presidente impedida e…”
A vírgula entre o sujeito “presidente” e o verbo “adotar”, a ele colado, é a mais surpreendente.
6
que pretendia também, blindar o ex-presidente Luiz Ignácio Lula da Silva…”
De novo a vírgula distraída entre o verbo e seu complemento. Ou uma vírgula antes e outra depois de “também” ou nenhuma vírgula.
Claro que ninguém precisa decorar regras gramaticais, mas o contato com a língua (no bom sentido) e boas leituras gravam os princípios fundamentais do texto.
O problema é que algumas pessoas acham que a vírgula serve como pausa respiratória, pausa para o café, para uma olhada no celular ou uma rápida ida à casinha por premência fisiológica.
Não, vírgula não foi feita para isso.
_____________________
Josué Rodrigues Silva Machado, jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, Best Seller, SP, 1995; e “Língua sem Vergonha”, Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade.