Roletas russas da vida. Por Marli Gonçalves
Roletas russas da vida
Marli Gonçalves
Uma decisão, um passo, um segundo, um minuto, uma virada errada, uma distração, um tropeção, uma bala, uma chuva, uma rua, uma carona, uma queda. Qualquer coisa. A vida é frágil. A terra é frágil. O ser humano vive em uma corda bem bamba e muito fina desde que nasce até que morre. Tudo pode acontecer. Inclusive nada. Essa é a verdadeira loucura da existência
Como é que pode? Como é que pode? Todo mundo batendo cabeça e se perguntando das ironias da vida quando fatos horríveis assim acontecem. Os inesperados. Ouvi e li de um tudo, e são dezenas as fantásticas teses conspiratórias que garantiam- já minuto seguinte ao acidente que matou o ministro do STF Teori Zavascki – que foi um atentado. Um assassinato. Claro, investigue-se, detalhe por detalhe, peça por peça, minuciosamente, o que ocorreu. Não deixem essa virar mais uma lenda urbana que viva no imaginário popular assombrando o país.
Mas eu não quero ser considerada burra nem ingênua ao ter certeza de que foi acidente.
Acidentes com aviões particulares têm enorme chance de matar personalidades. Gente conhecida. Gente importante. Gente famosa. Quem é que anda para lá e para cá em aviões particulares? Em helicópteros? Eu? Você? Até já andei muito, mas sempre de carona, de estepe, por algum motivo profissional, acompanhando algum cliente, como jornalista, nem sabia se meu nome contava na lista de passageiros. Como as duas mulheres que, além do piloto, do dono da aeronave – pessoa entre as mais bem relacionadas do país – e do ministro, estavam lá e tentavam chegar à bela Paraty em um chuvoso e cinzento dia de verão. Que tipo de sabotagem seria essa que só ocorreria na ponta da pista? Quem teria contratado São Pedro para soprar nuvens? Sofisticada essa ideia de fazer cair no mar, para afundar e ninguém achar os destroços.
Ah, mas era o ministro que cuidava da Lava Jato! Sim. Podia ser outro ou outra da mais alta Corte. Podia ser Moro, algum membro (ou todos) da força tarefa do Ministério Público. Algum artista – eles se deslocam muito em aviões. Para “pegar” o ministro não haveria outra forma? – veneno, urticária, espiã, manga com leite, jogar um piano da janela quando ele estivesse passando, cortar o cabo do elevador, infiltrar uma cobra venenosa no gabinete dele? (se bem que essa opção não pode ainda ser descartada…)
São pessoas – não há redoma que possa protegê-las delas mesmo. Andam de carro, de moto, de avião, de bicicleta. Podem escorregar no tapete do banheiro depois do banho. Depende do que fazem, como vivem, onde andam, e até do que comem – são protegidos, mas seguranças não são infalíveis e nem conselhos de cuidado com isso ou cuidado com aquilo e que em geral são ignorados. Igual à gente quando foi criança, a mãe disse não vá, e birrentos demos com a cara na parede – alguns têm cicatrizes que lembram esse dia a vida toda. Claro, quando não foi mortal de vez, e valeu a vida.
A verdade é que ninguém nunca espera que vá acontecer o que pode acontecer. Ninguém acredita que poderá ser retirado desse mundo de forma tão abrupta que não tenha nem tempo de respirar, dizer tchau. Creio que nem quem pratica esportes e outros passatempos radicais pensa nisso. No xeque-mate.
E não adianta ter medo. O medo não salva. É o famoso quando tem de acontecer acontece. Deus resolveu – para quem nele acredita. Fatalidade. A hora da morte.
Há riscos e perigos. Risco é a probabilidade. Perigo é uma ou mais condições que têm o perfil de causar ou contribuir para que o Risco aconteça. Não se mede e não há como eliminar o Risco. Já os perigos até poderiam ser prevenidos, analisados, mensurados e corrigidos.
São perigos que nos rondam como a bala do tambor do revólver de uma roleta russa. Ou como se andássemos sempre com pés enormes em campos minados.
Podia ser um terremoto, um maremoto, uma enchente, uma avalanche, um ataque de coração. Podia até ser um atentado.
Mas foi um avião e um passeio interrompido. Que esperamos não interrompa as esperanças do povo brasileiro na Justiça e no desfecho da mais rumorosa tentativa de faxina e descoberta de quem nos bateu a carteira.
Marli Gonçalves, jornalista – Não adianta não fazer, não ir, não tentar. Só morre quem está vivo. Ou que pelo menos estava assim até que…
2017, acreditam?
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