EL VAGABUNDO

El vagabundo by Mónica Caruncho Fontela, artista espanhola

Vagabundo. Por José Horta Manzano

… um distinto parlamentar botou pedra um pouco maior no estilingue, apontou para um colega e mandou: “Vagabundo!”. Ao que o atingido, com impressionante presença de espírito, respondeu de pronto: “Vagabundo é você!”. Diálogo edificante, foi uma finura que só…

EL VAGABUNDO
El vagabundo
by Mónica Caruncho Fontela, artista espanhola

No andar de cima, os convivas – todos copiosamente sustentados com nosso dinheiro – continuam a encenação. A incessante troca de casais é de rigor. Inimigos de anteontem, que tinham justamente feito as pazes ontem, tornam a apontar-se mutuamente os estilingues. Amigos desde a infância, duas excelências hoje se viram a cara. Outras duas, que não se falavam havia anos, hoje surgem de braço dado. E o povão vibra sem se dar conta de que a intenção era justamente esta: divertir a galeria, nada mais.

Tem a CPI da Covid (ou “da Cloroquina”, como receiam os devotos do capitão). Lá também o alvoroço segue firme. Talvez eu não devesse dizer “lá também”, mas “lá principalmente”. Ora, é a vitrine maior, o horário nobre daquele palco de hipocrisia! Excelência que se preze tem o dever de se agitar na hora e no lugar certo.

Entre as encenações da semana, um distinto parlamentar botou pedra um pouco maior no estilingue, apontou para um colega e mandou: “Vagabundo!”. Ao que o atingido, com impressionante presença de espírito, respondeu de pronto: “Vagabundo é você!”. Diálogo edificante, foi uma finura que só.

É inadequado duas excelências usarem pedras tão grandes para lapidar-se mutuamente. Acho até que o calibre das pedrinhas devia ser fixado por lei. A partir de tal e tal diâmetro, não pode, porque fica feio e baixa o nível.

Vagus e bundus

Deixando de lado as ironias, vamos aos fatos. Vagabundo – de onde vem esse bicho? Pois a palavra já existia em latim (vagabundus). É composta de vagus (errante, sem destino) e de bundus (que tem propensão a).

A raiz do primeiro elemento aparece em numerosas palavras nossas: vagar e vaguear (ir sem destino), divagar (soltar o pensamento), vagante, extravagante, vago(impreciso), noctívago (que passeia à noite sem destino preciso).

O segundo elemento (bundo) também reaparece em palavras como nauseabundo, meditabundo, moribundo. Há muitas outras, mas, no Brasil, tendemos a evitar essa terminação por sua semelhança com bunda, palavra que, no meu tempo, convinha evitar quando havia senhoras na sala.

Por último, é interessante notar que o termo vagabundo, se está presente nas demais línguas latinas, não tem o mesmo peso em cada uma delas. Em português, chamar alguém de vagabundo é ofensa na certa. Significa que esse alguém é desocupado, gandaieiro, preguiçoso, vadio. A palavra tem sentido fortemente pejorativo.

Em italiano, embora não seja propriamente um elogio, vagabondo também não é ofensa pesada. Para ofender mesmo, precisaria dizer: “vagabondaccio”. Tirando essa variante pejorativa, a palavra é muito usada no sentido figurado: “pensieri vagabondi” = pensamentos vagabundos (ou seja, que vagueiam).

Em francês, a palavra vagabond não faz parte das pedradas que se possam dar a alguém. O verbo vagabonder (=vagabundear) é até simpático; pode servir para descrever, por exemplo, um fim de semana que alguém passou sem fazer nada, só passeando.

Até alguns anos atrás, a rádio suíça tinha um programa chamado “L’humeur vagabonde” = O humor vagabundo. Era um programa interessante, de uma hora de duração. Como o título indica, não havia um tema fixo. A cada semana, falava-se de um assunto diferente, a biografia de alguém, uma viagem a um lugar interessante, um acontecimento histórico.

Se fossem passar essa emissão no Brasil, teriam de modificar o título. Vagabundo, francamente, não dá. É expressão privativa de certas excelências.

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JOSÉ HORTA MANZANO – Escritor, analista e cronista. Mantém o blog Brasil de Longe. Analisa as coisas de nosso país em diversos ângulos,  dependendo da inspiração do momento; pode tratar de política, línguas, história, música, geografia, atualidade e notícias do dia a dia. Colabora no caderno Opinião, do Correio Braziliense. Vive na Suíça, e há 45 anos mora no continente europeu. A comparação entre os fatos de lá e os daqui é uma de suas especialidades.

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