Eleições. Coluna Mário Marinho
Eleições
Coluna Mário Marinho
Aconteceu no século passado, no ano de 1963, no mês de janeiro, no dia 6, um domingo.
Vesti meu terno e sai de casa por volta das sete da manhã.
Explica-se o terno. Era minha primeira votação. Além disso, havia recebido há uns dois meses a convocação para trabalhar como mesário naquela eleição.
Meu pai, saudoso pai, achou muito importante e determinou que era obrigatório o terno.
Assim, lá fui eu naquele calor de janeiro, subindo e descendo morros para vencer a distância de mais ou menos um quilômetro da minha casa até o grupo escolar que ficava na rua Pororocas, onde eu iria trabalhar.
O presidente daquela seção era um senhor já de seus 50 anos, também de terno. Os outros companheiros de trabalho não vestiam terno, mas estavam bem vestidos, como a ocasião exigia.
A cabine de votação, chamada cabine indevassável, já estava montada.
Cuidamos do resto. Foi conferida que não havia nenhuma cédula dentro da urna.
O presidente definiu a equipe e as funções.
Eu fui escolhido como secretário, o primeiro cargo de importância abaixo do presidente.
Minha missão consistia em trabalhar junto com toda a equipe, substituiria o presidente e caso de impedimento dele (o que não foi preciso) e escreveria a ata ao final da votação.
Lá fora da sala, os eleitores começaram a formar a fila.
Dentro da sala, depois de tudo pronto, depositamos os nossos votos. Primeiro o presidente, depois o secretário, depois os outros.
Às oito em ponto abrimos a sala para a votação do público.
O eleitor trazia o seu título, que era de papel, tinha a foto de seu dono, dados de identificação e, na parte de trás, os quadrinhos com as assinaturas dos presidentes em eleições anteriores, mostrando ali a vida eleitoral do seu portador.
Apresentava o título ao primeiro mesário que dizia em voz alta a letra inicial do eleitor, para que outro mesário identificasse a pasta onde estava a ficha do eleitor. Em ordem alfabética, as pastas continham certa de 40 nomes. Como eram 200 eleitores, tínhamos 5 pastas.
Conferidos os dados do eleitor, ele recebia a cédula (assinada na parte de trás pelo presidente e o secretário) e se dirigia para a cabine indevassável. A cabine era uma construção rústica em ripas de madeira, envolta em um pano azul.
Nessa eleição em particular, a cédula apresentava duas opções de voto, SIM e NÃO, para a pergunta se o eleitor concordava com a volta do presidencialismo como regime de governo.
Parêntesis histórico.
Em agosto de 1961, o presidente Jânio Quadros renunciou à presidência.
Era o seu vice João Goulart. Naquela época, a eleição do presidente e vice não eram casadas.
As Forças Armadas não concordaram em dar posse a João Goulart, acusado de ser comunista.
Foram dias de crise institucional, até que um acordo foi fechado: o Congresso aprovou a mudança do regime de governo brasileiro de presidencialista para parlamentarista, o que satisfez os militares e a João Goulart.
Tancredo Neves foi nomeado primeiro ministro. Haveria um referendo em 1965 para decidir sobre a permanência ou não do regime parlamentarista. Mas o presidente João Goulart conseguiu antecipar essa consulta para 1963, no primeiro domingo de janeiro.
Fecha o parêntesis histórico.
Ao voltar da cabine, com seu voto já marcado, a cédula era depositada na urna. Antes de colocar na urna, o eleitor mostrava a parte de trás da cédula para o mesário conferir se as assinaturas do presidente e do secretario estavam corretas.
Então o eleitor assinava a ficha de votação que seria depois enviada ao Tribunal Regional Eleitoral.
Nesse momento, quando se pedia ao eleitor que assinasse a ficha , quase invariavelmente ouvíamos a pergunta:
– Assino meu nome?
Essa foi uma votação tranquila, já que era apenas uma pergunta.
Durante muitos anos eu voltei a trabalhar nas eleições.
O bairro onde ficava nossa seção era na periferia de Belo Horizonte, o bairro Aparecida. Os eleitores eram bem simples, a maioria com dificuldade de leitura ou de escrita. Ou de ambos.
Nas eleições posteriores, quando o eleitor tinha que escrever o nome do candidato ou número, a história era outra. Algumas vezes tivemos que estender a votação para após as 17 horas.
Era comum o eleitor demorar muito na cabine e sair de lá para perguntar:
– O senhor pode me dizer o número do Amintas?
Não, nós não podíamos dizer.
Outras vezes:
– Como eu escrevo Amintas?
Isso quando não pediam para que nós mesmos marcássemos o voto…
Me senti importante naquela primeira eleição e nas duas ou três seguintes.
Foram pelo menos uns 10 anos de trabalho, com o sentimento de importância diminuindo a cada eleição.
Bem, faz parte da vida.
Diálogo
Eleitor pra candidato eleito:
– O senhor é um irresponsável!
– Irresponsável é Você que votou em mim!
É preciso pensar muito antes de votar.
Libertadores
Esticaram a Libertadores da América. Agora, a competição, a partir do ano que vem, começa no primeiro semestre e termina no segundo. Serão 44 times (antes eram 38). O Brasil ganha mais duas vagas: seis pelo Brasileirão e uma com a Copa do Brasil.
Aumentar o número de times significa diminuir a qualidade técnica da competição. Acho que a Conmebol está na contramão: deveria batalhar para aumentar a qualidade técnica.
Não gostei.
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Mario Marinho – É jornalista. Especializado em jornalismo esportivo foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, nas rádios 9 de Julho, Atual e Capital. Foi duas vezes presidente da Aceesp (Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo). Também é escritor. Tem publicados Velórios Inusitados e O Padre e a Partilha, além de participação em livros do setor esportivo
A COLUNA MÁRIO MARINHO É PUBLICADA TODAS AS SEGUNDAS E QUINTAS AQUI NO CHUMBO GORDO.
(E SEMPRE QUE TIVER NOVIDADE OU COISA BOA DE COMENTAR)
Marinho, amigo,
gostei muito de suas lembranças do primeiro voto, para mim nunca esquecível também.
Remeteram-me a algo que anteontem me veio à memória, ao votar numa escola municipal aqui perto, na minha cidade de Camaragibe.
Lembrei-me, ao premer o botão da urna no qual, quatro anos antes, outra vez a escolher o prefeito e os vereadores do município que adotei (sou recifense de nascença), havia votado “nulo”.
Nunca vou me esquecer de que, naquele momento, tinha 70 anos de idade, e estremeci ao recordar que, há exato meio século (1962), havia depositado (enfiado na urna, sim, num papelzinho) meu primeiro voto, este para governador de Pernambuco, sufragando o candidato Miguel Arraes de Alencar. Compadecido, naquele momento me dei conta da enorme desesperança que nós, que éramos jovens naquela época, não tínhamos então. Acho que sonhávamos.
Não sei se sonhávamos apenas porque certos sonhos têm muito a ver com a idade. Mas, entre revoltado e desiludido, agora verifico que certas fantasias vêm começando a se esvair a cada dia, por causa de tantas mudanças rápidas ocorridas em nossas cabeças despreparadas.
Sobre coisas mais sérias, como o futebol, igualmente me espanta (a este homem da caverna, definição que não me desagrada) essa história das novas regras da Copa Libertadores, da Copa Sul-Americana et. al.
Lhe digo que esses tantos certames (campeonatos estaduais, nacionais, continentais, europeus, mundiais) embaralham a cabeça de qualquer torcedor normal, do doutor ao analfabeto.
Terão os mentores dessas competições de ensinar ao público, o real (nos estádios) e o virtual (na TV, “a própria” ou nos tablets, smartphones ou algo mais novo que surja amanhã), uma série de operações matemáticas necessárias a fazer que ele torça por seu time.
Devo estar mesmo defasado, mas fico pasmado ao assistir a alguns programas da SporTV (obviamente sudestina, de costas para o “resto” do país) a discutir o assunto. Tive a pachorra de ver, há pouco, um Bem, amigos, e notar que a conotação geral da conversa se dirigia às vantagens financeiras (ou econômicas) que as modificações feitas nas competições haverão de trazer. Falou-se também, claro, de velhas e novas táticas do jogo, para mim não mais que inúteis deblaterações.
(Vanderlei Luxemburgo empatou com todos, comandados por Galvão.)
Por fim, e aqui não me furto de lhe dizer, caro amigo e brilhante comentador esportivo, que entendo ter se transformado hoje o futebol no mesmíssimo espetaculoso basquetebol norte-americano, nos mesmíssimos automobilismo, tênis, rúgbi e tantos mais esportes que perderam seu sentido que (eu diria) humano para virar mero produto de consumo.
Torça e compre!
Tenho saudade tanto do primeiro voto quanto da primeira ida ao Estádio dos Aflitos, aos 12 ou 13 anos, quando vi a Seleção Pernambucana ganhar da Seleção Sergipana por 4 a 1!
Éramos menos globais, mais locais…
Do fundo da morna caverna, Marinho,
meu abraço, sempre positivo,
e venerado,
Toinho Portela
Toinho,
Às vezes, esse sentimento bate à minha porta também.
Acredito, porém, que a saudade é mais daquele tempo que vivemos do que do futebol em si.
Por exemplo, lembro-me das mangas que chupava quando criança, muitas vezes, a maioria delas, roubadas do quintal do vizinho.
Era um tipo de manga que se chamava “comum”. Era gostosa de danar. Escorria o caldo pelo braço, indo até o cotovelo.
Os dentes ficavam cheios de fiapos.
Há uns tempos atrás, tentei chupar uma manga dessas, mas, não deu.
Preferi buscar a boa e cara manga Palmer, sem fiapos, cortada na faca e consumida mais civilizadamente.
Tenho saudades da Rural que meu pai tinha e que me serviu de meio de transporte e lazer em ruas escuras de Belo Horizonte.
Mas a Rural é um carro duro, muito duro.
O que leva a crer que a saudade não é bem da Rural.
Assim é com a manga.
Tanto a manga, como a Rural, como o velho Estádio Sete de Setembro, onde vi o meu América campeão, vi Zagalo jogar no gol, tomei sol e tomei chuva – tudo isso, é saudade de uma época.
Não troco o conforto das Arenas de hoje pelas duras arquibancadas do Sete de Setembro.
Nem o meu Fiesta de hoje, pela Rural do meu pai.
Mas reviveria tudo aquilo outra vez – se fosse possível.
Abração,
Mário Marinho.