Felipe VI ocupa o vácuo da política espanhola. Por Celso Barata

Felipe VI ocupa o vácuo da política espanhola

 Celso Barata*

Sóbrio, discreto, contido, mas absolutamente desenvolto, discutindo com executivos e estadistas com notável afabilidade, e explorando os pontos-chave da política externa espanhola com precisão acima de partidarismos, Felipe VI mostrou que está à altura da grandeza de seu pai, Juan Carlos I…

Em plano vácuo de mais de nove meses que caracterizou a política espanhola durante 2016, uma figura avultou em meio às disputas quase fraticidas em que se empenharam os políticos: o rei Felipe VI em pleno exercício, como nunca, da validade de suas funções de chefe de estado. Mostrou de que vale uma instância superior do Estado reconhecida e respeitada por todos os cidadãos, uma das vantagens talvez pelas quais ainda se mantêm algumas monarquias.

Recebeu embaixadores, participou de vários fóruns, inclusive representando a Espanha na ONU, enquanto seu país conta apenas com um presidente de governo interino, à frente de um governo apenas “em funções”, sem nenhum mandato claro de maioria parlamentar.

Sóbrio, discreto, contido, mas absolutamente desenvolto, discutindo com executivos e estadistas com notável afabilidade, e explorando os pontos-chave da política externa espanhola com precisão acima de partidarismos, Felipe VI mostrou que está à altura da grandeza de seu pai, Juan Carlos I, que há dois anos abdicou em seu favor. E explica bem como rapidamente resgatou agora o prestígio da Coroa, abalada por escândalos nos últimos anos do reinado do pai, que levaram dois terços dos espanhóis a apoiarem a abdicação do rei que desfizera quatro décadas de fascismo franquista.

Em sua passagem por Nova York, onde discursou na ONU, inclusive reconhecendo que a Espanha enfrenta uma “conjuntura complexa”, ocupou-se de uma agenda carregada (até inclusive para agradecer o empenho da equipe de funcionários da delegação espanhola). Contou para tanto também com o apoio da rainha Letizia, que manteve contatos com a subsecretária da ONU para a Saúde e com o diretor-geral da FAO. Finalmente, participaram juntos de um debate com historiadores e especialistas em política espanhola.

No início do ano, com o paquidérmico desenrolar das tentativas de formação de um governo na Espanha, o Palácio da Zarzuela, onde reside o rei e que determina sua agenda, teve que diminuir para a metade os compromissos internacionais de Felipe VI, cancelando viagens a Arábia Saudita, Reino Unido, Japão e Coréia do Sul. Agora, porém, já que nada se resolve, o rei retomou suas atividades a pleno vapor.

Todos os títulos

De olhos azuis e quase dois metros de altura, o elegante Felipe Juan Pablo Alfonso de Todos los Santos de Borbón y Grecia nasceu em 1968 e recebeu os nomes Felipe (em memória do primeiro Bourbon que reinou na Espanha), Juan (em homenagem ao avô paterno e padrinho d. Juan de Bourbon, Conde de Barcelona), Pablo (homenagem ao avô materno, rei Paulo I da Grécia) e Alfonso (pelo bisavô paterno, rei Afonso XIII de Espanha, derrubado pela República em 1931).

… dizem que a maior lição foi quando, a 23 de fevereiro de 1981, com apenas 12 anos, assistiu o pai desmantelar, quase sozinho, uma patética tentativa de golpe de Estado de meia dúzia de militares.

Apesar de tanta pompa, ele se esforçou logo para passar uma imagem de proximidade e modernidade: contribuiu para isso seu casamento com uma plebeia, a jornalista Letizia Ortiz, algo até então inédito na história da monarquia espanhola. Além de ser o rei mais jovem da Europa, é hoje, aos 48 anos, talvez também o mais preparado. Fluente em catalão, domina perfeitamente inglês e francês desde os nove anos e sabe um pouco de grego, estudou um ano no curso médio no Canadá e se formou em direito em Madri (inclusive com também diversas cadeiras de Economia para se aprofundar na matéria) , com mestrado em relações internacionais em Washington.

Membro da equipe olímpica de vela nos jogos de Barcelona de 1992, piloto de helicóptero e jogador de futebol amador, é também tenente coronel de infantaria, capitão de fragata e tenente coronel da força aérea, formado pela Academia Militar de Zaragoza, pela Escola Militar de Marín e pela Academia Geral del Aire de San Javier. De setembro de 1999 a junho de 2000, fez um curso de atualização em segurança e defesa. Certamente, é claro, foi educado por toda a vida com o único objetivo de se tornar chefe de Estado. “Sua única meta é servir à Espanha. Está imbuído de forma profunda de que deve ser o primeiro servidor”, confessou sua mãe, a rainha Sofía.

E dizem que a maior lição foi quando, a 23 de fevereiro de 1981, com apenas 12 anos, assistiu o pai desmantelar, quase sozinho, uma patética tentativa de golpe de Estado de meia dúzia de militares. “O pai quis que ele estivesse no gabinete para que o visse atuando”, relatou a rainha Sofía. “A atitude de firmeza do pai, e sua luta para os espanhóis ganharem a liberdade e a democracia, tudo isso fica gravado na consciência e é uma lição inesquecível”.

__________________________________________

celso barataCelso Barataé jornalista. Foi editor  de Política Internacional. Trabalhou e colabora com alguns dos mais importantes veículos nacionais.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Assine a nossa newsletter