A hora da onça beber água. Coluna Carlos Brickmann
A hora da onça beber água
Coluna Carlos Brickmann
Edição dos jornais de Domingo, 18 de setembro de 2016
O Ministério Público abusou na entrevista coletiva sobre o indiciamento de Lula, como dizem os advogados de defesa, ou apenas demonstraram por que fizeram a denúncia? Tanto faz: o fato é que chegou a hora de a onça beber água, e Lula e o juiz Sérgio Moro devem encontrar-se frente a frente.
A denúncia contra Lula, sua esposa Marisa Letícia, o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, e o ex-presidente da OAS, Leo Pinheiro, já foi encaminhada a Sérgio Moro. Espera-se que ele decida até amanhã se aceita a denúncia e transforma os indiciados em réus ou se a rejeita e manda arquivá-la. Moro tem-se notabilizado não apenas pela dureza de suas providências (como o amplo uso – legal, segundo os tribunais superiores – da prisão cautelar, em que o investigado fica preso por longos períodos, à disposição do juiz) quanto pela celeridade de seu trabalho: por exemplo, sentenciou o pecuarista José Carlos Bumlai a nove anos e dez meses de prisão em dois minutos. As últimas alegações de um dos acusados no processo foram-lhe entregues às 7h52, e a sentença saiu às 7h54.
Há coisas no processo difíceis de entender. Atribui-se a Lula o recebimento de propina de R$ 3 milhões – isso quando de um gerente da Petrobras, Pedro Barusco, a Operação Lava Jato recuperou R$ 182 milhões.
Enfim, chegou a hora de a onça beber água. O grande problema é que há onças que não gostam de beber água.
De um bicho a outro
Quando ficou claro que a Operação Lava Jato fixava a mira nele e foi determinada sua condução coercitiva para depor, Lula lançou um desafio: estava pronto para a briga. “Se tentaram matar a jararaca, não bateram na cabeça, bateram no rabo. A jararaca tá viva, como sempre esteve”.
Com a possibilidade de ser julgado por Sérgio Moro, Lula chorou na entrevista coletiva. O presidente nacional do PT, Rui Falcão, garantiu que o ex-presidente tem o couro duro. A julgar pelo couro duro e pelas lágrimas, a jararaca mal pisada se transformou em crocodilo.
O processo que falta
Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, deu uma entrevista famosa quando Waldomiro Diniz, subchefe da Casa Civil, homem de confiança do ministro José Dirceu, foi filmado ao tomar R$ 3 mil de bicheiros. O caso iniciou as investigações do Mensalão. Jefferson foi duro com Diniz, que se corrompia por tão pouco: chamou-o de “petequeiro”.
Mas transformar Lula em “petequeiro”, de forma depreciativa, é inaceitável. Seria o caso, então, de levá-lo ao Juizado de Pequenas Causas. Ou de simplesmente processá-lo por dumping.
Deslize 1
De Lula, falando de seu prestigio popular: “No Brasil, só Jesus Cristo ganha de mim”.
Não ganha: Cristo foi condenado entre apenas dois ladrões.
Deslize 2
De Lula, criticando os promotores da força-tarefa da Operação Lava Jato, que o denunciaram à Justiça: “Eu, de vez em quando, falo que as pessoas achincalham muito a política. Mas a profissão mais honesta é a do político. Sabe por que? Porque todo ano, por mais ladrão que ele seja, ele tem de ir para a rua encarar o povo e pedir voto. O concursado não. Se forma na universidade, faz um concurso e está com emprego garantido o resto da vida. O político não. Ele é chamado de ladrão, é chamado de filho da mãe, é chamado de filho do pai, é chamado de tudo, mas ele tá lá, encarando, pedindo outra vez o seu emprego”.
Lula é o autor da imortal denúncia segundo a qual há 300 picaretas no Congresso. Mudou o Congresso ou mudou Luiz Inácio Lula da Silva?
E a vida continua
Só Lula? Não: a Polícia Federal indiciou, na última sexta, o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel; e, mais uma vez, o empreiteiro Marcelo Odebrecht, do Grupo Odebrecht. Motivo: corrupção no BNDES. Segundo a Polícia Federal, Pimentel, como ministro do Desenvolvimento do Governo Dilma, recebeu vantagens indevidas para facilitar a liberação de financiamentos.
Importante: Pimentel participou da luta armada ao lado de Dilma e é provavelmente o seu amigo mais próximo e há mais tempo.
Pátria enriquecedora
Extraído do levantamento do número de funcionários no Palácio da Alvorada, a serviço exclusivo da presidente afastada, enquanto se aguardava o impeachment: 34 motoristas contratados pela Presidência, com 28 carros alugados. Entre eles, um furgão para transportar a bicicleta de Sua Excelência.
E por que 28 carros com 34 motoristas para atender a Dilma, sua mãe e uma tia? Porque sim. Não havia controle de despesas. O contrato de locação termina em 1º de novembro e, dizem, será reduzido.
Comente: carlos@brickmann.com.br