PESQUISAS

Sobre a diferença dos números nas pesquisas. Por Antonio Lavareda

PESQUISAS

 

COMENTÁRIOS EM SÉRIE DE TWEETS DO AUTOR (@LavaredaAntonio), 13 DE MAIO DE 2021

Muitas pessoas me perguntaram a respeito, após a divulgação ontem e hoje dos números do Datafolha sobre a eleição presidencial de 2022, segundo os quais calculando-se os votos válidos Lula teria no segundo turno 63%  contra 37% de Bolsonaro.

Resumo aqui o que tenho respondido a elas, tentando esclarecer cinco fatores básicos que teoricamente seriam capazes de explicar as diferenças, por exemplo, entre a pesquisa referida e a última XP/IPESPE.

No Datafolha, sobre os totais, Lula apareceu com 41% na estimulada do primeiro turno e 55% no segundo, ao passo que na XP/IPESPE os números foram respectivamente 29% e 42%. Bolsonaro, por sua vez obteve no DataFolha 23% e 32%, enquanto na XP/IPESPE registrou 29% e 40%.

  1. O momento da realização. O levantamento XP/IPESPE foi realizado entre os dias 04 e 07 de maio, enquanto o DataFolha nos dias 12 e 13. Na média uma distância de sete dias. Suficiente para explicar flutuações, mas que não justificaria as diferenças encontradas nas intenções de voto estimuladas dos dois principais candidatos.
  2. O tamanho das amostras. De fato, a amostra do DataFolha (2.071) é o dobro da amostra XP/IPESPE (1.000) mas isso também não explica a magnitude das diferenças apontadas, porque as margens de erro máximo não são tão distantes – a do DataFolha sendo de 2 pontos percentuais para mais ou para menos e a da XP/IPESPE de 3,2 pontos.
  3. O método adotado. O DataFolha realizou entrevistas presenciais; as da XP/IPESPE foram telefônicas com telepesquisadores(as). Embora haja alguns que ainda supõem que o método presencial seria mais “preciso” isso não procede. Nos EUA e na Europa há cerca de uma década não se faz pesquisas eleitorais presenciais. No Brasil 98,5% da população tem acesso à telefonia celular.

E mais ainda, na conjuntura da pandemia, onde se recomenda distanciamento social, é plausível que muito mais pessoas temam ser abordadas nas ruas por estranhos com máscaras e permanecer algum tempo interagindo a menos de um metro, convidadas a apontar nomes de candidatos no cartão apresentado no tablet do entrevistador, do que respondendo a uma pesquisa telefônica. Em levantamento que o IPESPE realizou em setembro passado na cidade de São Paulo 66% responderam que se sentiam mais seguros respondendo a entrevistas por telefone, enquanto apenas 5% disseram que preferiam ser abordadas presencialmente na rua ou em casa, e 27% que tanto fazia uma coisa ou outra. Uma taxa mais elevada de recusas, que já é alta em todas as pesquisas, pode sim comprometer a amostra e distorcer a representatividade dos resultados. Por motivos lógicos o próprio DataFolha deixou de realizar pesquisas presenciais nesse último ano. E eu desconheço o que poderia ter justificado mudar esse procedimento agora.

  1. Efeito questionário. A ordem e a formulação das questões têm grande capacidade de influenciar as respostas obtidas. No que toca ao primeiro aspecto na pesquisa XP/IPESPE a intenção de voto presidencial é a primeira pergunta do questionário. Pela óbvia relevância do tema ela é tratada como “variável dependente” que deve ficar protegida de qualquer contaminação (por “efeito consistência” entre outros) do restante da entrevista. No levantamento do DataFolha não se sabe. No Relatório que o instituto divulgou aparece na capa “Intenção de Voto Presidencial 2022” o que sugere que pode ter sido a primeira indagação, porém lá ao final dele, no rodapé das tabelas está escrito “PO4062 – Opinião sobre o Coronavírus 11”. A décima primeira pesquisa sobre o tema. Se esse foi o objetivo principal as questões sobre a pandemia deverão ter vindo à frente no questionário. Se isso ocorreu, podem ter contaminado as intenções de voto presidenciais. No última XP/IPESPE 58% avaliaram como Ruim/Péssima a gestão de Bolsonaro na pandemia e apenas 22% como Ótima/Boa.

No passado o DataFolha divulgava todas as questões na ordem de sua formulação. Outro aspecto na formulação das questões de voto diz respeito à cartela utilizada. Os nomes dos candidatos no DataFolha vieram com seus partidos ao lado – Lula (PT) e para os que não os têm surgiu grafado ao lado seu nome em maiúsculas assim: Bolsonaro (SEM PARTIDO). Isso afeta as respostas estimuladas com a lista? Pode ser. Difícil responder. Mas a formulação é no mínimo inadequada porque a pergunta inclui “se a eleição fosse hoje”

e o pertencimento a um partido é requisito obrigatório das candidaturas.

  1. Variável de controle. Todas as pesquisas realizadas por todos os institutos brasileiros se valem de “cotas” para assegurar a representação dos principais segmentos socioeconômicos nas amostras – sexo, idade, instrução, renda e mais localização dos municípios, porte e regiões. Alguns é verdade não cumprem todas elas, só as básicas. Mas fica faltando observar o quanto a amostra é representativa das orientações políticas dos entrevistados.

Nos EUA e na Europa não se faz pesquisa política sem questões de identificação partidária, orientação ideológica e voto na eleição anterior. Aqui as duas primeiras características não seriam úteis mas o recall do voto, mesmo com distorções explicadas na literatura, com certeza qualifica, aprimora, a leitura dos resultados. No Relatório da última XP/IPESPE está lá no final: 2o turno de 2018, sobre os totais, Bolsonaro, 46% X Haddad, 33%. Bolsonaro com mais 7 pontos e Haddad com um ponto a mais do que tiveram conforme o TSE.

Claro que conhecendo esses números do recall podemos conjecturar melhor sobre a natureza da amostra do ponto de vista do seu comportamento político anterior, melhorando a interpretação dos dados. Vale observar que houve convergências nas duas pesquisas entre outras coisas nas intenções de voto de Lula na pergunta espontânea (21%) e nos percentuais da questão estimulada dos outros cinco candidatos, além das opções Branco/Nulo/Não sabe, com diferenças dentro da margem de erro ou coincidindo os percentuais.

Outra curiosidade é que no quesito Avaliação do Governo Bolsonaro aparece o Ótimo/Bom do DataFolha com 24% e o da XP/IPESPE com 29% (dentro da margem de erro, na avaliação positiva ),  mas nas respostas Ruim/Péssimo – de onde teoricamente sairia o grosso da intenção de voto em Lula – o percentual na XP/IPESPE é maior (49%) que o do DataFolha (45%), embora também dentro da margem de erro.

Ou seja, na XP/IPESPE há até mais eleitores com opinião francamente negativa sobre o Governo do que no DataFolha.

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ImagemANTONIO LAVAREDA – Cientista Político – Sociólogo – Consultor – Palestrante, Presidente do Conselho Científico do IPESPE

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