O grande filtro. Por Josué Machado

O GRANDE FILTRO

Por Josué Machado

O que é a verdade? Onde está a verdade na política brasileira? Onde está o bem? Onde está o mal?

As sessões da Câmara e do Senado que culminaram com o impedimento de Dilma acentuaram um fenômeno humano, muito humano, exacerbado durante os debates circulares e repetitivos.

Os a favor eram muito a favor: um governo do povo e para o povo, eleito por maioria, tem por isso o direito de ir até o fim do período, não importa o que aconteça, desde que não tenha havido crime explícito; e operações contábeis não são crime: quem não concorda é golpista a serviço do capital internacional.

… A favor ou contra? — Ninguém quer ser e muito menos parecer parcial, mas todos tendem a submeter os fatos, quaisquer fatos, ao FILTRO da própria formação, da própria cultura e das convicções interiores resultantes.

Os que eram contra eram muito contra: governo eleito, mas criador de manobras inconstitucionais – crime de responsabilidade — e, sobretudo, incompetente, levando o país à ruína. Os a favor são cegos aproveitadores de benesses oficiais.

A turma do melífluo José Renan ganhou: fora Dilma, mas com o bônus da manutenção dos direitos políticos – solução algo bizarra para a maioria dos sábios da Lei.

Cassação de mandato com a possibilidade de manter cargos públicos? Não sem razão Renan defendeu a tese com a sorridente força de sempre, porque, se for processado algum dia num dos oito ou nove inquéritos contra ele no STF, talvez receba o benefício.

A favor ou contra? — Ninguém quer ser e muito menos parecer parcial, mas todos tendem a submeter os fatos, quaisquer fatos, ao FILTRO da própria formação, da própria cultura e das convicções interiores resultantes.

De modo que esse filtro transforma, minimiza ou ignora as teses ou fatos contrários ao próprio substrato cultural e absorve e incorpora sem crítica os favoráveis.

Isso se dá até pela afinidade que cada um acaba desenvolvendo com determinadas tendências e fontes de informação no decorrer do tempo.

Não é com as suaves cores do filtro do amor, da tolerância e do perdão que se vê quem se ama?

Não é com as densas cores do filtro do desamor que se vê quem se detesta ou despreza?

No Brasil, aqueles  que se sentem de esquerda tendem a considerar nefastas e falsas fontes como as tevês comerciais, principalmente a Globo, e jornais como Globo, Estadão e até Folha – a “Grande Imprensa alimentada pelo Capital”.

Representam o mal.

Tendem também necessariamente a absorver como indiscutíveis as informações e análises das fontes alternativas contrárias, como Carta Capital, Carta Maior, Caros Amigos, Conversa Afiada, DCM, GGN, Ópera Mundi e outras, porque veem nelas a exposição da verdade indiscutível.

Representam o bem.

Aqueles que chamam a si mesmos de democratas ou liberais, mas apontados como coxinhas reacionários, assumem posições exatamente opostas às teses e posições da esquerda ou ditas de esquerda.

Daí – para ser bem repetitivo — que uns e outros tendem a exacerbar suas posições, ignorando, minimizando ou distorcendo os argumentos do lado oposto e aceitando como legítimos e definitivos os próprios.

E ambos passam a ter certeza de que estão certos sem ser necessariamente desonestos na defesa dos próprios pontos de vista.

Essa é a verdade de cada grupo oponente, e, portanto, a verdade definitiva: “Tenho certeza de que estou certo; tenho certeza de que você está errado!”

Tudo muito óbvio, sem meios-tons, e a vida continua com seus ódios de todos os matizes, graças ao bom Deus.

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JOSUE 2Josué Rodrigues Silva Machado, jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, Best Seller, SP, 1995; e “Língua sem Vergonha”, Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade.

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