Sobre comércio e ‘desindustrialização prematura’. Por Marcos Troyjo

Sobre comércio e ‘desindustrialização prematura’

Por Marcos Troyjo

Na recente história da economia global o Brasil não integrou o grupo de países que elegeu o comércio exterior como principal plataforma de crescimento

Publicado originalmente no blog de Augusto Nunes, edição de 3 de setembro/ 2016

Se analisarmos com cuidado a história dos países que mudaram de patamar nos últimos 70 anos, como Alemanha, Japão, China, Coreia do Sul e Chile, é praticamente impossível ver uma trajetória de crescimento sem pelo menos 40% do PIB daquele país resultante das somas de importações e exportações.

No Brasil, desde que fomos descobertos por Cabral até 1999, com exceção dos ciclos da monocultura de exportação, como o ciclo da borracha, do café ou da cana-de-açúcar, é muito raro encontrar um momento do PIB brasileiro que apresente 25% oriundos de comércio exterior.

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A primeira e óbvia constatação é que na recente história da economia global o Brasil não integrou o grupo de países que elegeu o comércio exterior como principal plataforma de crescimento.

E, num foco mais contemporâneo, adotamos, desde o primeiro governo Lula, um “retrofit” das antigas teses de substituição de importações.

Se nos 1940 e 1950 a palavra forte era nacionalização da indústria, nestes últimos anos, esse conceito foi substituído por uma filosofia que chamo de “local-contentismo”. Trata-se de uma ênfase muito forte nas políticas industriais de substituição de importações, mas não necessariamente com nacionalização da indústria. Pelo contrário, tal retrofit foi muito amistoso ao capital estrangeiro.

Toda a estratégia brasileira de compras governamentais, oferecimento de benefícios fiscais e tentativa de criação de cadeias de produção do setor industrial esteve associada ao papel das estatais e das instâncias governamentais em seus três níveis. O Estado desempenhou papel de grande formador da demanda para que empresas de outros países viessem ao Brasil e aqui estabelecessem suas operações produtivas, portanto gerando empregos e impostos locais.

O problema é que, na medida em que o Brasil optou por não se esforçar na busca de acordos de comércio, nem se integrar às cadeias globais de produção, as atividades industriais que aqui se instalaram não apenas passaram a competir com os similares nacionais, como também tiveram como objetivo exclusivo o mercado brasileiro.

Ninguém vinha montar uma fábrica no Brasil para fazer do país uma plataforma de exportação para terceiros mercados. Eles vieram sobretudo para explorar o mercado brasileiro, que é muito protegido comercialmente e, portanto, paga um sobrepreço para quem se instala aqui.

Essa é uma das razões pelas quais o Brasil se tornou o quinto maior destino de investimento direto do mundo durante esse período Lula-Dilma.

Ou seja, tivemos, de fato, uma política industrial que atraiu investimentos, só que não necessariamente pelas melhores razões. As prioridades foram o atendimento de demandas reprimidas, mirando o universo do consumo interno, e não fazendo o Brasil por meio do seu próprio mérito um elo dessas cadeias mais globais de produção.

E isso só contribuiu para que nosso comércio exterior de maior valor agregado e, particularmente, do setor industrial, definhasse.

Essa política favoreceu o que alguns economistas, em especial Dani Rodrik, de Harvard, chamam de “desindustrialização prematura”.

Uma coisa é o que aconteceu com Londres ou Paris, ou outros grandes centros urbanos na Europa que se converteram ao longo do século de ramos industriais para praças de serviços e entretenimento. Houve, nesses casos, um processo de maturação bastante clara.

Alguns desses setores de serviços e entretenimento se converteram em locação para a quarta revolução industrial, com empregos em pesquisa e desenvolvimento voltados para tecnologia e para a indústria.

No caso do Brasil, não cumprimos essa fase. Aqui não existe, em dimensão semelhante à dos EUA, um “rust belt” (cinturão de ferrugem) —uma região de indústria pesada e manufatureira. Nós tínhamos que fazer com que a indústria ocupasse uma parcela ainda maior no PIB brasileiro e uma fatia ainda maior das nossas exportações.

Acabamos, no entanto, regredindo ao longo do tempo. Outro elemento a também contribuir pra esse processo foi nossa volta a uma situação semicolonial de comércio com a Ásia, e particularmente com a China.

A China hoje é nosso principal parceiro. Mas nossas exportações estão concentradas em poucos produtos básicos. Com as importantes vantagens comparativas que mantemos nas commodities agrícolas e minerais, pelas quais os chineses têm grande apetite, cai o interesse dos empresários em investir na indústria.

É muito mais barato ou, pelo menos foi durante uma época, tentar o outsourcing a partir do mercado chinês. Isso contribuiu demais para a nossa desindustrialização. De modo que nós estamos agora no meio do caminho.

Recentemente as exportações da indústria aumentaram por causa da desvalorização do real frente ao dólar. Nós ganhamos competitividade via câmbio. No entanto, o câmbio é apenas um dos muitos pilares que temos de aperfeiçoar para dar ao Brasil competitividade exportadora industrial.

Em nossa interação com o mundo, privilegiamos muito mais nossas ambições políticas no âmbito externo do que um maior pragmatismo econômico. O resultado disso tudo é que aquilo que nós podemos considerar segundo e terceiro pilares da competitividade —acesso a grandes mercados e facilitação da participação do Brasil nas cadeias internacionais de agregação de valor— não foram privilegiados nesse período mais recente.

Será que ainda dá tempo para o Brasil? Temos nesse próximos dois anos e meio de reforçar marcos regulatórios e segurança jurídica. Avançar nas concessões e privatizações…

Não dá para fazer um “copiar e colar” de modelos asiáticos, mas com eles podemos aprender. A Coreia do Sul abraçou substituição de importações e criação de campeões nacionais. Mas não o fez para garantir fatias do mercado interno ao empresariado local, e sim para promover exportações, aumentar a competitividade do capital nacional em relação a terceiros mercados.

Essa é a grande diferença com o modelo que aplicamos no Brasil. Os sul-coreanos se aproveitaram de um interesse geopolítico dos Estados Unidos e da Europa para fazer algumas concessões pontuais a países asiáticos. Isso também é verdade, numa escala ampliada, em relação à estratégia adotada pela China.

E aí vem a pergunta: será que ainda dá tempo para o Brasil? Temos nesse próximos dois anos e meio de reforçar marcos regulatórios e segurança jurídica. Avançar nas concessões e privatizações.

Se olharmos o mapa-múndi, seria muito difícil encontrar um país que consegue equilibrar, por um lado, potencial exportador da cadeia agroalimentar, agromineral e em algumas áreas de alta tecnologia, como é o setor aeronáutico, e, por outro, mercado interno de grande proporção.

O Brasil é grande e, no limite, tamanho ainda importa. No rumo certo, ficaremos ainda maiores.

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Marcos Troyjo
Marcos Troyjoé graduado em ciência política e economia pela Universidade de São Paulo (USP), doutor em sociologia das relações internacionais pela USP e diplomata. É integrante do Conselho Consultivo do Fórum Econômico Mundial, diretor do BRICLab da Universidade Columbia, pesquisador do Centre d´Études sur l´Actuel et le Quotidien (CEAQ) da Universidade Paris-Descartes (Sorbonne), fundador do Centro de Diplomacia Empresarial e conselheiro do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE). É colunista do jornal “Folha de S.Paulo”.

 

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