O que poderia ter sido. Por José Paulo Cavalcanti Filho

O QUE PODERIA TER SIDO

   José Paulo Cavalcanti Filho

Volto os olhos para nosso passado recente. Relembrando atores que ocupavam as páginas de nossos jornais. O primeiro olhar é para o amigo Eduardo Campos. Fez tudo certo. Descolou do PT, na hora que deveria. E não foi para o outro lado. Seria, hoje, a primeira alternativa de todos nós, que ainda não desistimos do Brasil. Mas o destino é um deus sem rosto…

O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos me perguntou, certa vez, Qual é o tempo do outro lado? Respondi assim: Tem quem cala e o que mente/ O da sombra e o do dia/ O que sabe e o que confia/ O que nega e o que consente/ Pois há dois lados somente/ No trajeto do oprimido/ E no barro percorrido/ Mais vale o corpo suado/ Que o tempo do outro lado/ É o tempo não vivido. Há mesmo dois lados em tudo. Sempre. Bem no fundo, o dos que lamentam e o dos que não.

Penso nisso ao contemplar esses dias turbulentos do impeachment. Com a sensação de que, por vezes, a vida imita mesmo a arte. Fernando Pessoa, por exemplo, escreveu: Que fiz eu da vida?/ Que fiz eu do que queria fazer da vida?/ Que fiz eu do que poderia ter feito da vida? (“Episódios”). A ideia é recorrente. Em 1913, Sá-Carneiro cantou a Tristeza das coisas que não foram (“Estátua falsa”); e, em 1925, Manuel Bandeira (“Pneumotórax”) falou n’A vida que podia ter sido e não foi – reproduzindo o verso literalmente, em 1965, na sua “Antologia”. O poema se passa em um consultório médico: Diga trinta e três. Trinta e três… Respire. E acaba com uma visão de sua própria vida: Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax? – Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Mas ninguém lamentará tanto quanto Dilma. Vai passar anos, décadas, lamentando o que poderia ter sido. E dizendo trinta e três. Era presidente. Não é mais. Por 61 votos (entre 81). Talvez até acredite na versão do golpe. Por pouco tempo, que não dá para levar muito longe essa história de carochinha…

Apesar de semelhantes, na forma, bem diversas resultaram as inspirações dos versos. Sá-Carneiro preparava seu suicídio. E Bandeira, por conta da tuberculose, jamais teria uma vida normal. Tanto que, por falta de preparo físico, teve relação com mulheres só depois de velho – como confessou no seu “Itinerário de Pasárgada”. Enquanto, em Pessoa, há só conformação com a derrota. A ideia está em numerosos textos dele – dos quais o primeiro é um poema (sem título, de 8/8/1910) em que diz: E só resta a ânsia indefinida/ Do que poderia ter sido e não foi.

 Volto os olhos para nosso passado recente. Relembrando atores que ocupavam as páginas de nossos jornais. O primeiro olhar é para o amigo Eduardo Campos. Fez tudo certo. Descolou do PT, na hora que deveria. E não foi para o outro lado. Seria, hoje, a primeira alternativa de todos nós, que ainda não desistimos do Brasil. Mas o destino é um deus sem rosto.

Marina e Aécio talvez agradeçam ter perdido. E dão graças aos céus por não administrar, hoje, o poço sem fundo em que se converteu a economia brasileira – que, durante anos, vagou ao léu sem qualquer diretriz. Ou alguém pensa que Mantega foi, durante esse tempo todo, ministro de verdade?. Lula só lamenta. Quem sabe deveria ter escolhido outro, para lhe suceder. Quis voltar e a senhora não deixou. E foi sem dúvida imprudente (pelo menos) em alguns episódios. No sítio. No tríplex (já foi indiciado criminalmente). No seu Instituto (já foi autuado pela Receita Federal). Nas relações com as empreiteiras. Poderia ter feito diferente. Deveria. Mas é tarde, para tudo. E seus próximos dias, e meses, parecem sombrios.

Mas ninguém lamentará tanto quanto Dilma. Vai passar anos, décadas, lamentando o que poderia ter sido. E dizendo trinta e três. Era presidente. Não é mais. Por 61 votos (entre 81). Talvez até acredite na versão do golpe. Por pouco tempo, que não dá para levar muito longe essa história de carochinha. E, por dentro, vai ter que conviver com um vazio grande. Enorme. Para sua sorte, a memória dos brasileiros é fraca. Figueiredo pediu, e conseguiu, que esquecessem dele. E Collor, hoje, é senador. Só mesmo rindo. Qual será, então, o futuro de Dilma? O outro lado? O que poderia ter sido? O que poderá ser?, ainda. Só Deus sabe.

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jose_paulo_cavalcanti_filho_02José Paulo Cavalcanti Filho É advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade.

jp@jpc.com.br

 

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