O crime mitológico. Medeia a filicida. Por Antônio Claudio Mariz de Oliveira

O crime mitológico. Medeia a filicida

Por Antônio Claudio Mariz de Oliveira

Os homicídios por ela idealizados e executados denotam uma malvadez extrema, que infelizmente vem se repetindo nos nossos dias.

ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE NO SITE MIGALHAS, EDIÇÃO DE 26 DE AGOSTO DE 2016

O crime na mitologia grega, com as suas narrativas e seus enredos diversos, possui identidades no comportamento e nos sentimentos humanos, tais como a vingança, o incesto, o parricídio, o matricídio, o filicídio, o adultério a crueldade.

Narrativas trágicas marcadas por fortes emoções, que vão do ódio ao amor, passando pela vingança, pela traição e pelo remorso, constituem, na verdade, um prenúncio das condutas criminosas que tiveram, no curso dos séculos, as mesmas motivações encontradas na mitologia, que são reveladoras das misérias humanas.

Dentre as tragédias gregas a de Medeia concentra expressivo número dessas manifestações que denotam o lado mais obscuro da alma e da mente humanas.

O mito de Medeia recebeu várias versões no teatro e na literatura. A narrativa que se tornou célebre foi a de Eurídice, escrita nos anos 400 antes de cristo.

João ou Jason é o personagem responsável pelo impulso inicial de toda a trama que se desenvolve em torno da cobiça pelo poder; em torno do doentio amor de Medeia por ele e da crueldade com que se vinga da traição amorosa que sofreu. Os homicídios por ela idealizados e executados denotam uma malvadez extrema, que infelizmente vem se repetindo nos nossos dias.

Ao voltar à sua terra natal Iolcos, há textos que se referem a Tessália, reivindicou o trono que havia sido usurpado por seu tio Pelvas. Para poder assumir o poder, o rei impôs como condição a recuperação do tosão ou velo de ouro de um carneiro alado, que fora para o reino de Cólquida.

Jasão dirigiu-se para aquele reino, acompanhado dos argonautas, assim chamados porque navegavam em um barco chamado de Argos.

Ao chegar a Cólquida, despertou o amor de Medeia, uma mortal, neta do Deus do sol, Helio.

Após cumprir algumas tarefas, como condição para obter o velo de ouro, Jasão fugiu de Cólquida com Medeia. Foram acompanhados pelo irmão da moça, que o acabou matando e retalhando o seu corpo. Os pedaços foram jogados pelo caminho, para atrasar a perseguição do pai, que perderia tempo recolhendo as partes espalhadas pela estrada.

Antes de chegar a Corinto, o casal parou em Iolso, terra de Jasão, governada por seu tio Pelias. Para que Jasão recuperasse o trono de imediato, Medeia matou o rei, com o auxílio das próprias filhas e cortaram e dissecaram o seu corpo.

Vê-se que ao retalhar os corpos de suas vítimas, seu irmão e Pélias, Medeia foi percursora dos denominados crimes da mala, ocorridos em São Paulo, no início do século 20.

Mais recentemente, dois outros homicídios tiveram malas como instrumentos de ocultação dos corpos, que também foram esquartejados. Em um deles, as partes cortadas também foram sendo lançadas ao longo de uma estrada da grande São Paulo.

Medeia e Jasão, juntamente com seus filhos, foram para Corinto e lá permaneceram por algum tempo. O rei do local, Creonte, ofereceu a Jasão a mão de sua filha Creusa.

Jasão interessou-se pela oferta do rei Creonte, e tentou convencer Medeia que seria melhor para eles, uma união com a filha do rei. Medeia não possuía nenhum traço de nobreza, fato que justificava o ambicioso Jasão a desejar desposar uma princesa.

Ao saber que Jasão interessou-se por Creusa, Medeia imaginou uma forma de vingar-se. Apropriou-se das vestes da princesa e as molhou em um poderoso veneno, que provocou um incêndio que lhe destruiu o corpo e se alastrou por todo o palácio real, matando também o rei Creonte.

O ápice da tragédia surge com a terrível vingança de Medeia contra Jasão: ela mata os filhos do casal, para causar um grande sofrimento em Jasão.

O sofrimento imposto ao marido parece haver  compensado e justificado o assassinato dos próprios filhos. A dor pela morte dos filhos desapareceu em face da dor causada ao marido.

O mito revela além da paixão, do ódio, da vingança, um outro aspecto também muito discutido em nossos dias: a impunidade.

Com efeito, apesar de assassinar Creusa, seu irmão Apsirto; o rei Peleias; Creonte e os seus próprios filhos, Medeia foge para Atenas, utilizando-se de um carro puxado por serpentes.

No Brasil, a tragédia foi levada ao teatro por Chico Buarque e Paulo Pontes, na peça Gota D’agua. Anteriormente, Oduvaldo Viana filho adaptara a peça de Eurípedes para a televisão.

[imagem abertura: Medeia-  Eugène Delacroix (1798–1863).]

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mariz*Antônio Claudio Mariz de Oliveira é advogado da Advocacia Mariz de Oliveira.

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