O que o Brasil oferece para os Jogos…Por Aylê-Salassié F. Quintão

O que o Brasil oferece para os Jogos…

 e ninguém vê, nem mesmo os brasileiros.

Aylê-Salassié F. Quintão

                 Enfrentando resistências pontuais dos xerifes do esporte, dos caciques da política e dos capitalizadores comerciais de valores sociais e culturais, os Jogos no Brasil, em plena crise de Estado, agregam a curiosidade e a alegria do brasileiro. País multicultural …

            Perdendo por 38 x 0 para o Canadá no rugby, goleando a Romênia por 26 a 13 no handball,  empatando com os melhores e também com os piores, o Brasil, no seu lento e confuso processo de desenvolvimento atlético, persegue seu lugar na classificação geral, ao mesmo tempo em que contribui para recompor os padrões das Olimpíadas   . Com a Rio 2016, os  Jogos da Era Moderna, já na sua XXXI edição,  revela algumas  contradições, que os transformaram de um encontro amistoso de integração social via esporte num espaço de disputa política hegemônica e, sobretudo, comercial. Pela primeira vez realiza-se na América do Sul. Nunca aconteceu na África e, certamente, no formato em que se encontra  hoje, todos os países pobres estão fora da possibilidade de recebê-los.

                 Um dos dilemas das Olimpíadas está nos seus próprios objetivos.  Os atletas que vêm no esporte a razão de viver  ou um  espaço de superação de limites individuais encontram nele um entendimento difuso entre o vencer, o competir e  o celebrar . A maioria dos atletas, países ou patrocinadores defendem claramente o vencer e vencer. Mortais, os atletas  esperam conquistar reconhecimentos iconizados em medalhas, coroas de louros e na    hiperbolização dos seus feitos pela mídia, o que, no modelo atual,  termina por lhes render também valores  monetários e outras vantagens materiais.

              A dimensão iconográfica alcançada pelos Jogos na Era Moderna terminaram por inspirar  uma repaginação total dos seus  propósitos originais, que levaram à introdução de conexões entre esporte e economia e esporte e política. Quase sempre o número de medalhas conquistado por um país nas Olimpíadas é usado na política para estimular a autoestima nacional. Concomitantemente, as qualidades, virtudes e recordes olímpicos são associados comercialmente  a produtos ou serviços, nem sempre guardando qualquer relação ou similitude. É o caso dos suplementos alimentares, cujas virtudes são amplamente falsas. Os equipamentos esportivos estão praticamente todos relacionados hoje com as marcas olímpicas. Os Jogos geraram uma máquina de fazer dinheiro e, com ela, também muita corrupção (Simson e Jennings,1992.), afastando-se gradualmente do espírito olímpico.

          Responsável pelo renascimento dos Jogos na chamada Era Moderna (1886), o barão de Coubertin conferiu ao evento a idéia de que o importante era competir: mais fraternal e bem menos ambicioso. A maior recompensa de um atleta seria fazer parte do grupo de elite do esporte mundial, e assim ser introduzido no imaginado Panteão dos Deuses. No entender do barão, que era um professor, os Jogos teriam um caráter mais celebrativos e menos competitivos.  A celebração vinha dos Jogos da Antiguidade na Grécia, nos quais se  configurou a ideia despretensiosa de um lúdico compartilhamento de práticas esporto recreativas, ritualizadas por regras, na relação de sujeitos estranhos entre si, mediadas pela busca do prazer  físico e mental, que eleva os vencedores à condição de espíritos avançados.

                Enfrentando resistências pontuais dos xerifes do esporte, dos caciques da política e dos capitalizadores comerciais de valores sociais e culturais, os Jogos no Brasil, em plena crise de Estado, agregam a curiosidade e a alegria do brasileiro. País multicultural e membro destacado do grupo dos “Biodiversos”, o Brasil tem perseguido modelos sustentáveis para todos os segmentos da sociedade, independente de serem eles considerados produtivos ou não, sem medo  inclusive  dos desafios  das novas tecnologias. Tudo isso ajuda a dar materialidade à ideia da celebração. Por aqui realizam-se de dois em dois anos   os  Jogos dos Povos Indígenas que, mesmo administrado com a modéstia por dois irmãos índios, Carlos e Marcos Terena, expande-se a cada edição tornando-se num  modelo de evento planetário.

Seus referenciais contemplam tanto práticas lúdicas e recreativas , próximas do lazer, do entretenimento e do esporte, como os rituais tradicionais de diferentes povos . Em geral, são confundidos com as competições. Assim, os Jogos como expressão de interpretações põem em prática um sincretismo cultural, ambiental e existencial , ocupando um vazio nas concepções de mundo,  ao mesmo tempo em que respondem à cobrança do filósofo Gadamer (  1999    ), segundo a qual sempre que se interpreta deve-se criar uma intenção.

                     A celebração a que se propõem os Jogos dos Povos Indígenas traz consigo um significado seminal e, diria,  refundante da interpretação das relações sociais e dentro dos próprios Jogos  enquanto tal, indispensável para a compreensão dos propósitos desportivos e também memoriais. Os índios fundem rituais festivos memoriais com modalidades esportivas do próprio homem branco. Excluem, entretanto, dos Jogos a ideia metaforizada do vencer e vencer. É mais que isso. Mais ainda que a competição de Coubertin. São encontros alegres, marcados pela amizade e o reconhecimento entre povos diferentes, bem como momentos de comunhão e agradecimento por habitarmos poeticamente este mundo significado dado por Hoderlin (1976) – e, nele, poder compartilhar experiências existenciais, espirituais ou materiais com outros. A terra e um só mundo e nós seus habitantes.

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Aylê-Salassié F. Quintão – Jornalista, professor. Doutor em História Cultural

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