Cala a boca já morreu. Carlos Brickmann analisa a lei. E a imprensa
Cala a boca já morreu
Por Carlos Brickmann
Um grande jornalista, Ricardo Sérgio Mendes, Ricardo Coração de Gorila para os íntimos, jamais leu o texto de qualquer lei sobre direitos do trabalhador. Seu sistema era mais simples e muito mais eficiente: lia apenas a posição das entidades patronais. “Se eles são contra, é porque a medida é boa para mim”, explicava Ricardo. “Se eles são a favor, é porque a lei é para me ferrar. Se são a favor, eu sou contra. Se são contra, eu sou a favor”.
É difícil para pessoas não especializadas entender exatamente o alcance de uma lei. Mas é simples seguir os ensinamentos do mestre Ricardo Sérgio Mendes. No caso da lei do direito de resposta, basta saber que a lei foi proposta por Roberto Requião e tem o apoio dos defensores da “regulação social dos meios de comunicação”, mais conhecida por nós, que falamos português sem tergiversações, como “censura”. Requião? Rui Falcão? Berzoini? Gleisi Hoffman? PSOL e adjacências? Dilma sancionou? Sou contra.
Não que os jornais (e a TV, o rádio, as revistas, a imprensa em geral) sejam isentos de pecado. As histórias que narrarei aqui mostram que, com frequência, a imprensa age com prepotência, arrogância, autossuficiência, desprezo pelo cidadão prejudicado por matérias mal feitas. Mas a solução não é, como esta lei parece indicar, partir para o sufocamento financeiro dos jornalistas que divulgam notícias indesejadas. Aliás, notícia é sempre algo indesejado: quando a informação é desejada e bem recebida por seus personagens, chama-se publicidade.
Mas vamos aos casos – casos que envolvem diversos jornais e empresas.
1 – um jornal publicou a informação de que um jornalista inglês, do The Observer, tinha divulgado reportagem devastadora sobre o empresário Kia Joorabchian, que na época era o comandante do futebol do Corinthians. O jornal brasileiro transcrevia as passagens mais pesadas da reportagem inglesa, os colunistas brasileiros escreveram muito com base no texto do Observer. Mas cadê o texto do Observer? Depois de vasta pesquisa em Londres, no próprio Observer, e de seu irmão The Guardian, a reportagem não foi encontrada. O jornal brasileiro publicou uma minúscula informação segundo a qual o repórter escreveu a matéria mas o Observer não quis publicá-la. Em resumo, não havia reportagem nenhuma. E nenhum dos colunistas que se baseara na reportagem inexistente para desancar o empresário se retratou.
2 – outro grande jornal publicou com detalhes tudo o que havia ocorrido numa audiência judicial com um determinado réu. Entretanto, na sala de audiências não havia nenhum repórter. Havia o réu, que não deu informações ao jornal; a advogada de defesa, que também não divulgou nada; a juíza, que também nada falou; e o promotor. Obviamente, a matéria foi baseada nas informações do promotor, com franco viés acusatório. Tudo bem – só que isso não era informado na matéria. Pior, o nome da juíza e da advogada de defesa foram trocados, evidenciando a falta de informação. Os chefes de redação se recusaram a publicar uma carta que citava esses fatos, e foi preciso procurar o dono do jornal para que ele determinasse a publicação da carta.
3 – Uma revista semanal procurou um empresário para buscar esclarecimentos a respeito de sua participação acionária num jornal. Até aí, tudo bem; mas o próprio repórter deixou claro que a matéria era para bater no empresário, acusando-o de assumir o controle acionário para colocar o jornal a serviço do PT. Não era verdade (nem na época, nem hoje), mas a revista se recusou a publicar a carta do empresário desmentindo a notícia. E o fato, que o tempo comprovou, é que ele estava com a razão.
4 – Uma revista publicou ampla matéria sobre contas do ex-presidente Lula no Exterior. A reportagem informava que havia rumores, mas que não tinha sido possível confirmar nada. Por isso, publicava a matéria, embora sem confirmá-la.
Inadmissível: se a denúncia não é confirmada, a matéria não deve sair. Ponto final. É simples assim.
Esses são alguns exemplos, apenas. Fatos desse tipo acontecem todos os dias, em todo o país, e com frequência alarmante a reação é o “danem-se os prejudicados” – na verdade, não é “danen-se”, mas este é um site de família. Como lidar com esse tipo de prepotência do veículo sem cair do outro lado, de tentar silenciar jornais e jornalistas cobrando fortunas de danos morais e multiplicando processos em diversos locais, para tornar a defesa inviável de tão cara?
O problema, como hábito, é que a lei foi feita de qualquer jeito, não com o objetivo de estabelecer um claro ordenamento jurídico, mas apenas de silenciar jornais e jornalistas. Nada há na lei, por exemplo, que impeça aquilo que foi feito contra a jornalista Elvira Lobato, de espalhar processos pelo país inteiro, obrigando-a ou a contratar dezenas de advogados ou a contratar menos profissionais, mas mandá-los viajar, por sua conta, por esses mundões afora. Foi uma tentativa clara de asfixia financeira, que só não vingou porque a Folha de S.Paulo se associou à defesa de sua repórter e arcou com os gigantescos custos dos processos. Conter esse tipo de litigância de má fé exigiria obrigar os proponentes de ações semelhantes, motivadas pelo mesmo tema, a unificá-las em um único foro – ou o do jornalista, ou o do processante.
O prazo para recurso contra decisões de juízes de primeiro grau é reduzidíssimo. Empresas jornalísticas sólidas talvez consigam recorrer, já que têm departamentos jurídicos permanentes. Empresas menores, jornalistas sem vínculo empregatício, blogueiros, não terão tempo sequer para providenciar advogado que estude o processo e entre com o recurso. Claro que o objetivo é exatamente evitar o recurso; e é por isso que a presidente Dilma, embora instada a vetar esse item, preferiu mantê-lo. Quem está no poder sempre gosta de pressionar a imprensa, não é mesmo? Imprensa tem a mania de publicar aquilo que os poderosos preferem manter em sigilo.
Há inúmeros outros aspectos que só poderiam ser resolvidos se a lei fosse feita após ouvir as partes interessadas, todas, e tivesse por trás a intenção de evitar tanto a prepotência dos meios de comunicação todo-poderosos quanto a tentativa de asfixia financeira praticada pelos criticados. É difícil? É; mas resolver corretamente uma situação é mais correto, e dá menos trabalho, do que lidar com leis inviáveis e mal concebidas.
A propósito, parece que a primeira pessoa a utilizar a nova lei é o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Motivo do processo? O processo, apenas o processo. O deputado não contesta nenhuma das informações publicadas na reportagem que agora denuncia. Mas adorou a lei.
Voltemos ao nosso amigo e mestre Ricardo Sérgio Mendes. É só verificar quem está a favor desta lei para decidir qual é o nosso lado.
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Carlos Brickmann – Manteve durante anos a coluna Circo da Notícia no Observatório da Imprensa. Agora seus comentários poderão ser lidos aqui no Chumbo Gordo, Mirando na Imprensa
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O oposto é que vale: se a Folha, o Estadão, a Veja e o Globo são contra a lei é porque alguma coisa de boa ela deve ter.