Monumento à corrupção. Por Leão Serva

Monumento à corrupção

Por Leão Serva

…Em que país democrático, no século21, a principal realização de um governante poderia ser a construção de seu gabinete ? só no Brasil do “auto imperialismo”.

ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE NA COLUNA DO AUTOR, FOLHA DE S.PAULO,  1º DE AGOSTO DE 2016

Me senti dentro das páginas do livro “Auto imperialismo”, de Benjamin Moser, ao visitar Belo Horizonte, semanas atrás. No aeroporto de Confins, peguei um táxi rumo à praça da Liberdade, no coração da cidade. O trânsito na rodovia fluiu bem por alguns quilômetros, até que tudo parou. De repente, surgiu à direita o imenso conjunto de construções brancas com vidros pretos, a Cidade Administrativa, uma aberração arquitetônica inaugurada no governo de Aécio Neves (PSDB), quintessência da chamada “arquitetura monumental” ou faraônica.

“Trata-se da mais cara obra do tucano nos oito anos em que permaneceu à frente do estado, entre 2003 e 2010”, informou a capa da Folha (26. jun). Faltou dizer que além de “amais cara de Aécio”, é certamente uma das mais inúteis do Brasil desde a inauguração de Brasília, em 1960. O custo total do “Palácio de Aécio”, R$ 1,2 bilhão, corresponde ao orçamento inicial para a construção da linha 3 do Metrô de BH; seria suficiente para construir e manter um hospital de grande porte por dez anos; idem para centenas de escolas… O leitor pode eleger um milhão de coisas úteis para o povo de Minas que poderiam ser feitas com o R$ 1,2 bilhão que foi para o ralo.

Em que país democrático, no sé-culo21, a principal realização de um governante poderia ser a construção de seu gabinete ? só no Brasil do “auto imperialismo”.

Há 50 anos, outro mineiro, alçado à Presidência, levou megalomania semelhante ao Planalto Central, com danos para a economia e a moral brasileiras até hoje.

… A impropriedade não se restringe ao custo bilionário da obra inútil: uma vez inaugurada, ela eterniza gastos imensos de energia, perda de tempo e emissão de poluentes com o deslocamento de pessoas até a pirâmide; congestiona vias e força a construção ou ampliação de novas artérias. No caso de Minas, são 30 mil pessoas forçadas a uma viagem diária de 20 km para ir e voltar ao trono de Aécio.

Cito só um claro efeito negativo: longe das metrópoles, o poder não se submete à pressão popular. O ronco das ruas de verdade não chega aos palácios das cidades imperiais, exatamente porque elas são construídas longe dos centros vivos: os reis da França moravam em Versalhes, não em Paris; o imperador do Brasil morava em Petrópolis, fora do Rio; Juscelino levou os palácios para Brasília… se a capital brasileira fosse o Rio, o grito das ruas teria forçado eleições diretas em 1984 e a queda de Dilma em 2013.

É preciso dar um desconto a Juscelino: há 60 anos, não se falava de poluição e aquecimento global. Mas considerar isso no projeto de uma obra no século 21 é prova de irresponsabilidade ou desinformação doentia.

A impropriedade não se restringe ao custo bilionário da obra inútil: uma vez inaugurada, ela eterniza gastos imensos de energia, perda de tempo e emissão de poluentes com o deslocamento de pessoas até a pirâmide; congestiona vias e força a construção ou ampliação de novas artérias. No caso de Minas, são 30 mil pessoas forçadas a uma viagem diária de 20 km para ir e voltar ao trono de Aécio.

E tudo isso por quê? A resposta veio nas semanas seguintes, nas notícias sobre a delação premiada do presidente da OAS e a auditoria da Andrade Gutierrez (Folha, 31.jul): ambas dizem ter pago percentuais sobre os custos da obra. Assim como a transposição do rio são Francisco, as hidrelétricas na Amazônia, as refinarias inacabáveis e tantas outras realizações surrealistas dos governos do Brasil recente, seu fim não é o que parece. A corrupção se autonomizou e submeteu todas as outras razões. A obra é feita para girar o caixa das empreiteiras. Depois, os “auto imperialistas” criam a desculpa.

A Cidade Administrativa é um monumento à propina.

FOTO ABERTURA: FACHADA DA CIDADE ADMINISTRATIVA DE BELO HORIZONTE

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leao serva* Leão ServaEx-secretário de Redação da Folha . É jornalista, escritor e coautor de ‘Como Viver em SP sem Carro’. Escreve às segundas, quinzenalmente, no Caderno Cotidiano. Ex- Jornal da Tarde, ex-Lance, ex-iG , chefiou a assessoria de comunicação de Gilberto Kassab (na prefeitura, desde a gestão José Serra), e foi diretor de redação do Diário de S. Paulo. Vários livros publicados na área de interesse de Cidades, Mobilidade Urbana. Fundador da Santa Clara Ideias.

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