O assalto. Ou o furto. Ou o roubo. Coluna Mário Marinho

O assalto. Ou o furto. Ou o roubo.

COLUNA MÁRIO MARINHO

O excelente comentarista esportivo Paulo Vinicius Coelho publicou em sua coluna neste domingo, na Folha, interessante texto sobre a questão dos roubos no Rio de Janeiro durante os Jogos Olímpicos. PVC mostra casos de jornalistas que foram vitimas e roubos em diversas situações e em diversos países. Ou seja: esse tipo de ação não é privilégio do Rio.

Eu já fui vitima duas vezes aqui em São Paulo. Numa roubaram o meu carro estacionado na rua e noutra levaram o estepe do carro no estacionamento do Extra Jaguaré (aliás, até hoje, passado quase um ano, a Estapar dona do estacionamento ainda não me indenizou). E uma terceira vez eu o relato abaixo.

Era mês de julho, pleno verão europeu. Comprei jornais, revistas e me acomodei um bar com mesas na calçada em pleno centro de Madri, na Gran Via. Coloquei-os na mesa e a minha bolsa, de couro, daquelas que se usava naquele ano de 1985, na cadeira ao meu lado.

Rapidamente apareceu o garçom e eu pedi uma cerveja, já saboreando o que seria um belo começo de tarde tomando cerveja e lendo revistas e jornais. Previa ficar ali nesse lazer por umas duas horas. Tempo era o que não me faltava: era um sábado e eu ficaria em Madri até quarta-feira, quando a Primeira Dama dessa coluna, minha caríssima metade, Vera Marinho, chegaria. E aí nós pretendíamos fazer uma viagem de carro até Barcelona e dali até Nice, França. Seria uma viagem de uns 3.000 quilômetros, ida e volta, que pretendíamos fazer em 25 dias.

Um rapaz se aproximou pelo meu lado esquerdo e me perguntou polidamente:

– Usted sabe donde se queda la Telefónica?

– Sinto, pero no sé.

– Gracias.

Ele se retirou e, quase em ato contínuo, o garçom trouxe minha cerveja, colocou na mesa, entregou-me a conta e ficou esperando o pagamento. Virei-me para o lado direito para pegar a bola e… cadê a bolsa? Fui roubado. Enquanto o rapaz me abordou pelo lado esquerdo e perguntou a localização da Telefónica, o comparsa levou a minha bolsa.

Logo apareceu um turista americano aos gritos:

– I saw! I saw!

E apontava para o lado em que foram os dois comparsas.

Dentro da minha bolsa eu tinha apenas mil dólares em travellers checks, minha carteira de habilitação internacional, minha identidade, minha passagem de volta para o Brasil, meu passaporte e maço de cigarros. Ou seja: todos os meus documentos.

O garçom, solícito, me disse para percorrer os quarteirões mais próximos e procurar nas lixeiras.

– Quien sabe, por ventura, ellos quieren sólo el dinero y tirar la bolsa con documentos.

E lá fui eu revirando todas as latas de lixo nas cercanias. Em vão.

Ainda seguindo orientação do garçom, fui até à Delegacia mais próxima registrar um boletim de ocorrência.

A pequena sala da delegacia tinha mais ou menos umas 30 pessoas registrando queixas como a minha. Foi uma longa espera. Quase duas horas depois, peguei o meu BO que começava assim: “Esteve frente a esta autoridade um indivíduo que se diz chamar Mário…” E seguia por aí. Daí, deu-se o diálogo abaixo:

– Señor es un periodista. Por lo tanto, usted debe hablar Inglés.

– ¿Por qué? Los señores no entienden mi español?

– Si si. Como no? Es que tenemos en la sala dos turistas estadounidenses y como no hablamos Inglés nos pudiera ayudar.

– No yo no hablo inglês!

Disse com rispidez, peguei meu documento e saí da sala. As duas turistas estavam lá. Confesso que fiquei com dó delas, mas a minha bronca era maior.

Bem, agora estava eu ali em Madri sem nenhum documento. Voltei ao Rex Hotel, onde estava hospedado, e procurei o número do telefone para o qual deveria ligar em caso de roubo ou extravio dos travellers checks.

Fiquei encantado com o atendimento do plantão City Bank. Deram-me o endereço, orientaram a pegar o táxi informando-me que pagariam a corrida. Fui até lá e em menos de uma hora estava de volta com meus travellers checks.

Passei o fim de semana passeando em torno do hotel, indo à Plaza Mayor e até a Puerta del Sol. Não me atrevia a me afastar muito do hotel sem um documento no bolso.

Na segunda-feira, dirigi-me à embaixada do Brasil. Relatei o meu drama e ouvi de um funcionário com sotaque e disposição de trabalho de cariocas:

– Então Você não tem nenhum documento?

– Não, não tenho.

– Então nós não podemos emitir um passaporte.

– E o que Você sugere que eu faça?

– Que consiga um documento.

– É o que estou tentando fazer.

É bom lembrar que estamos falando de uma era jurássica, anterior à internet, ao celular, até mesmo ao fax. Disse que sabia o número do meu RG e que com ele a Embaixada poderia fazer uma consulta ao Brasil. Em vão. Era visível a falta de vontade do funcionário. Pedi para falar com o Embaixador.

– Ele está de férias.

– E quem está no lugar dele?

– O Secretário, mas ele não está no momento.

– Tá bom. Aqui está o telefone do hotel onde estou hospedado. Você pode me ligar assim que o Secretário chegar?

Voltei ao hotel e telefonei para a redação do Jornal da Tarde. Falei com o Laerte Fernandes, que era o secretário de Redação, e pedi que enviasse para a Embaixada, por telex, uma correspondência com números de meus documentos e atestando que eu trabalhava no JT.

Quase ao final da tarde, recebi um telefonema da Embaixada. O carioca, parecendo agora um pouco mais esperto, me disse que o Secretário havia recebido a correspondência do jornal e autorizara a emissão do passaporte. Eu poderia ir lá no dia seguinte? Claro, claro.

Cheguei à Embaixada e o solícito carioca me indicou um local para tirar as fotos para o passaporte. Tirei as fotos e voltei. Esperei por uns 30 minutos e lá veio ele sorridente com o passaporte.

– Agora, é só pagar.

E aí apareceu outro problema. A despesa ficava em torno de uns cem dólares. Mas eu não podia pagar nem em dólares nem em cruzeiro, moeda brasileira da época, só em pesos. Eu não tinha aquela grana no bolso.

Mais uma vez solícito, o carioca me indicou o banco onde a embaixada tinha sua conta e que ficava cerca de cinco quarteirões.

Lá fui eu. Enfrentei uma pequena fila, cheguei ao caixa e coloquei uma nota de cem dólares.

– Por favor, quiero cambiar por pesos.

– Sí, como no. Por favor, su pasaporte.

Comecei a rir. O funcionário me olhou com certo espanto e eu expliquei:

– Necesito el dinero para pagar el pasaporte.

– Lo siento, pero sin un pasaporte que no puedo cambiar.

Dai-me paciência, Senhor!, implorei em silêncio e voltei à Embaixada. Expliquei ao carioca o impasse e fiquei à espera de uma solução. Minutos depois ele voltou cheio de sorrisos.

– O Secretário é amigo do gerente daquela agência, já telefonou para ele e passou o número do passaporte. Pode ir lá que vai dar tudo certo.

E deu mesmo.

De novo na embaixada, recebi meu passaporte, dei uma folheada e vi que havia um pequeno detalhe, que mostrei ao agora meu amigo Carioca.

– Aqui não tem o carimbo de entrada na Espanha. Como é que eu vou sair se eu não entrei?

Era uma dúvida razoável.

Depois de uma rápida consulta as um companheiro, o Carioca me informou:

– Nós não temos como colocar esse carimbo. Você procura o serviço de estrangeiros, leva o BO e eles carimbam pra Você.

De posse do endereço, fui até o Serviço de Estrangeiros. Havia uma fila que dobrava o quarteirão. Perguntei ao último para que servia aquela fila.

– Estamos renovando el permiso de residencia en España.

Bem, não era o meu caso. Assim, me dirigi à porta de entrada da repartição e fui bruscamente barrado por um soldado de poucos modos.

– No, no! Pote a la cola.

E ele não me deixava explicar: tinha que entrar na fila. Quase duas horas depois, cheguei ao balcão de atendimento. Expliquei a situação e a gentil senhorita me explicou, cheia de sorrisos:

– No hubo necesidad de hacer cola. Usted no necesita una visa permanente. Sólo el sello de entrada.

Pensei em dizer a ela que tentei explicar isso ao guarda, mas achei melhor não complicar.

– Está correcto. Ahora, ¿qué hago?

– Simple: vas a la tercera planta y obtener el sello en el momento.

E assim foi. Saí de lá com o espírito aliviado: enfim, eu era um cidadão legal.

No outro dia, fui ao aeroporto de Barajas receber a minha caríssima metade.

Dois dias depois iniciamos a nossa viagem que deveria ir até Nice.

Mas não foi.

Por quê?

Contarei em outra publicação.

estrada

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FOTO SOFIA MARINHO

Mario Marinho É jornalista. Especializado em jornalismo esportivo foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, nas rádios 9 de Julho, Atual e Capital. Foi duas vezes presidente da Aceesp (Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo). Também é escritor. Tem publicados Velórios Inusitados e O Padre e a Partilha, além de participação em livros do setor esportivo

A COLUNA MÁRIO MARINHO É PUBLICADA TODAS AS SEGUNDAS E QUINTAS AQUI NO CHUMBO GORDO.

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