Croniquetas: Há quem pense que mãe é uma só. Por Carlos Brickmann

 

Ano, 1970 – ditadura militar, com Ato 5 e tudo. Eu estava voltando de Londres com dois amigos, Kléber de Almeida e Edgar Colossi. Na época, em viagem internacional, a gente parava no Rio, trocava de avião (no caso, um VC-10 de quatro reatores) e vinha para São Paulo num Electra.

O último romântico da ponte aérea · AERO Magazine

Este, amigos, é um engano comum. Tive minha mãe, mãe judia, embora menos ortodoxa que as normalmente descritas; e tenho uma irmã que é “mãe judia de almanaque”.

Ano, 1970 – ditadura militar, com Ato 5 e tudo. Eu estava voltando de Londres com dois amigos, Kléber de Almeida e Edgar Colossi. Na época, em viagem internacional, a gente parava no Rio, trocava de avião (no caso, um VC-10 de quatro reatores) e vinha para São Paulo num Electra.

O avião pousou em Congonhas e o Edgar, na janelinha, perguntou: “Aquela atrás dos bandeirinhas não é sua irmã?” Eu olhei – era. E me preparei para o pior. No auge da ditadura, como tinham permitido que ela entrasse na pista? Só podia ser notícia muito ruim.

Desço a escada e ela vem vindo, no meio de quatro soldados com metralhadoras apontadas para o alto. Corre para mim, me abraça, me beija, disse “graças a Deus”, pega minha maleta de mão e vai embora com a escolta. Nem sei se a maleta passou pela Alfândega.

No saguão do aeroporto, o Roberto Colossi, irmão do Edgar, rolava de rir. O que houve: o avião atrasou e a Ponte Aérea, como de hábito, não dava informações. Dizia que tinha perdido o contato com a aeronave. Minha irmã, no meio do povo, dizia que o avião em que vinha o irmãozinho dela tinha sumido, a Ponte Aérea mesmo disse que não tinha contato, e ela queria mobilizar a segurança do aeroporto para iniciar as buscas.

Aí, entram os bombeiros na pista: estava chegando um DC-3 sem trem de pouso e eles começaram a jogar espuma. Ela quis saber por que a espuma, responderam que era para apagar as faíscas no pouso, ou o avião poderia explodir. Mas foi ela que explodiu: queria entrar na pista para salvar o irmãozinho dela (eu, 26 anos, 1m90, mais de cem quilos), que estava num avião que podia explodir. Os bombeiros mesmo tinham dito isso! Inquietação no pessoal que esperava a chegada dos passageiros.

Os seguranças levaram o caso ao chefe do aeroporto, um major, para saber se deviam prender a desordeira. O major achou melhor contemporizar: se a prendessem, ainda poderia armar uma gritaria sobre o irmãozinho em risco e havia muita gente no saguão do aeroporto. Era melhor convidá-la para uma conversa com ele, que explicaria tudo.

Ele começou com a pergunta óbvia: de onde vinha o irmãozinho dela? De Londres. Então, minha senhora, fique tranquila. Este avião que vai pousar agora nem é adequado para vir de Londres. E seu irmãozinho deve ter trocado de avião no Rio. Este avião também não é adequado para trazer viajantes do Rio.

Para que!!! Piorou muito: ela saiu de lá gritando que tinham posto o irmãozinho dela num avião que o próprio chefe do aeroporto, um major! “aquele ali, fardado!” disse que não era adequado. O avião ia explodir e ela queria entrar na pista para salvar o irmãozinho dela. Assustou todo mundo que esperava os passageiros.

E o chefe do aeroporto mandou que ela entrasse na pista, com escolta de quatro soldados.

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CARLOS BRICKMANNCARLOS BRICKMANN- JORNALISTA – DIRETOR DO CHUMBO GORDO

4 thoughts on “Croniquetas: Há quem pense que mãe é uma só. Por Carlos Brickmann

  1. Só é mãe quem quer. Inclusive de quem já tem outra, a original. Eu, por exemplo, sou uma mãe para os meus cãezinhos, que naturalmente já têm a deles, além de ter também a minha mulher, que faz de conta que é mãe de todos, o que às vezes me inclui…

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