Canário do Reino. Por Alexandre Schwartsman
Canário do Reino
Por Alexandre Schwartsman
…Por mais que se tente associar a decisão ao intervencionismo excessivo de Bruxelas (verdadeiro, aliás), me parece claro que o voto pela saída da UE não refletiu um impulso liberalizante, mas sim seu oposto…
Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo, coluna do autor, edição 29 de junho - 2016
Olhando do Brasil o resultado do plebiscito que pede a saída do Reino Unido (RU) da União Europeia (UE) parece algo remoto. A libra esterlina, no momento em que escrevo, perdeu 13% do seu valor face ao dólar desde o Brexit; já o real se desvalorizou em torno de 1,5%. Mesmo que pudéssemos atribuir todo o movimento da moeda ao evento traumático da semana passada, a conclusão inescapável é que o mercado financeiro local não deu maior importância ao acontecimento.
De fato, da perspectiva brasileira, os impactos parecem mesmo limitados. Pelo lado real da economia, o RU foi o destino de US$ 2,7 bilhões das exportações nacionais nos 12 meses terminados em maio, 1,4% do total exportado no período, pouco mais do que vendemos, por exemplo, para o Uruguai.
Por outro lado, embora ao menos em tese a “fuga para a qualidade” que se seguiu ao Brexit pudesse levar a um aumento da percepção de risco, na prática este efeito foi bastante limitado. Mantivemos a duvidosa honra de apresentar o risco-país na casa de 3-3,5% ao ano devido principalmente aos desenvolvimentos locais, em particular graças às dificuldades de ajustar as contas públicas.
Não se segue, porém, que devamos ignorar outras possíveis (e prováveis) consequências do Brexit. Por mais que se tente associar a decisão ao intervencionismo excessivo de Bruxelas (verdadeiro, aliás), me parece claro que o voto pela saída da UE não refletiu um impulso liberalizante, mas sim seu oposto.
A questão central no caso é o repúdio à livre circulação de trabalhadores no bloco, claramente exposta na questão da imigração. Uma piada local relatava que encanadores ingleses reclamavam da concorrência “desleal” de seus congêneres poloneses, que teriam o desplante de não apenas marcar visitas a seus clientes, mas – para horror local – efetivamente aparecer na hora marcada.
… Não há, portanto, como ignorar riscos políticos à expansão do comércio internacional e, por extensão, do próprio crescimento global. O Brasil faz parte desta engrenagem e depende como nunca de crescente integração para se recuperar da crise…
Isto não é um privilégio britânico. Por mais que a elite política europeia tenha se empenhado em aprofundar a integração econômica do continente, sacudido por guerras sangrentas nos últimos séculos, a triste verdade, desnudada pela crise da Zona do Euro (um pedaço da UE), é que a população jamais comprou a ideia de uma união cada vez mais próxima (“ever closer union”), como expresso na Declaração Solene da UE.
Ao contrário, o que sobreviveu aos planos de integração e hoje se manifesta de forma crescente é um nacionalismo xenófobo, que não raro descamba para o racismo. A faceta mais visível do fenômeno no continente é a ascensão da Frente Nacional na França, personificada por Marine Le Pen, mas está longe de limitar a isto, encastelado nos governos da Hungria e Polônia, ganhando força na Holanda, Alemanha e outros países da UE, para não mencionarmos alguns aspectos da candidatura Trump nos EUA.
São forças que agem no sentido contrário da integração, frequentemente aliadas a seu antípoda ideológico, partidos de esquerda e sindicatos, temerosos desde sempre acerca dos efeitos da globalização.
Não há, portanto, como ignorar riscos políticos à expansão do comércio internacional e, por extensão, do próprio crescimento global. O Brasil faz parte desta engrenagem e depende como nunca de crescente integração para se recuperar da crise.
O Brexit é o canário na mina da globalização.
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• * ALEXANDRE SCHWARTSMAN – DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS
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