A arte do soneto. Por José Paulo Cavalcanti Filho

A ARTE DO SONETO

 Por José Paulo Cavalcanti Filho

Pernambuco se distingue, no gênero, por ser terra do melhor sonetista do Brasil. Sem dúvida possível Dirceu Rabelo, companheiro em nossa Academia

É tão desprovida de encanto a realidade brasileira, e tão melancólica, e tão fria, e tão sem maiores esperanças, e tão sem engenho ou arte, que hoje peço licença ao amigo leitor para falar de uma arte verdadeira. Eterna. Maior. A de escrever sonetos.

Foi provavelmente Petrarca – último poeta medieval e primeiro dos tempos modernos – o responsável pela difusão do soneto clássico. Estruturado em dois quartetos e dois tercetos. Verdade que Shakespeare, talvez o mais famoso dos sonetistas, fazia diferente seus quatorzain – com os 14 versos divididos em três quartetos e dois versos em complemento. Mas nas suas mãos era algo superior, em cadência e sons. Como, só um exemplo, no primeiro verso do soneto 12 (escreveu 154), When I do count the clock that tells the time. Reproduzindo o tique-taque onomatopeico em que quase se ouve o bater do relógio. Esse verso mestre Ivo Barroso traduziu, com a mesma inspiração, assim: Quando a hora dobra em triste e tarde toque.

Inicialmente difundido entre os do povo, logo o soneto passou a ser uma preferência da Corte. Em expoentes como Petrarca, Ronsard, nosso Camões e o já referido Shakespeare. Até hoje. Todos os grandes poetas atuais se dedicam a eles. Pernambuco se distingue, no gênero, por ser terra do melhor sonetista do Brasil. Sem dúvida possível Dirceu Rabelo, companheiro em nossa Academia. E provo o que digo com este soneto antológico. Imortal. No Cárcere da Desmemória. Dedicado à velha companheira de sua vida. O leitor por favor leia e confirme:

Quem dividiu comigo corpo e alma

E me dava alegria na tristeza

E que me aconselhava agir com calma

Nos momentos difíceis de incerteza

Hoje nada me diz e não reclama

Disso que lhe aprontou a Natureza:

Já não se lembra mais dos entes que ama

E sem cometer crime vive presa

Nas algemas fatais da desventura

De carregar a cruz de um mal sem cura,

Que fere muito mais o companheiro,

De quem se escuta agora esta mensagem:

Chegando aos cais da última viagem,

Dos dois é mais feliz quem vá primeiro.

Leve como o vento, se é que o vento tem mesmo peso (não sei), e depois dessa pausa que refresca, estamos prontos para na próxima semana voltar ao nosso Brasil. Se ele ainda existir. E se Deus permitir, claro.

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jose_paulo_cavalcanti_filho_02José Paulo Cavalcanti Filho É advogado e um dos maiores conhecedores da obra de Fernando Pessoa. Integrou a Comissão da Verdade

jp@jpc.com.br

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