O Grande Salto ou Um homem de vergonha. Por Josué Machado

    O GRANDE SALTO ou UM HOMEM DE VERGONHA

Por Josué Machado

Acusado de ser corrupto, um político se matou jogando-se num abismo. Não, não, nada de surpresa nem de aplausos: não foi na Pátria Amada Brasil.

O ex-presidente da Coreia do Sul (de 2003 a 2008) Roh Moo-hyun, matou-se envergonhado da acusação de ter recebido propina. Disse não saber na época que alguém de sua família havia recebido 6 milhões de dólares de um fabricante de tênis em busca de facilidades enquanto ele estava na presidência.

Afastado da política e processado, retirou-se para a aldeia onde havia nascido, Gimhae, perto de Busan, e lá se atirou do alto da montanha num despenhadeiro de 30 metros de profundidade. Deixou bilhete com a declaração de que a vergonha o consumia.

Foi um ato de redenção que não teremos nunca orgulho de saber praticado por um de nossos políticos. Nem um só. Nunca. Jamais. Mesmo porque não haveria ribanceira, despenhadeiro, alcantil ou precipício em que coubessem todos se porventura tivessem um glorioso ataque coletivo de vergonha. Impossível. O abismo teria de ter uns 3.000 metros de profundidade. E haveria o risco de que se enchesse de carcaças engravatadas até as bordas.

A história é algo antiga e talvez o falecido Roh nem fosse culpado, mas o que importa aqui, culpas à parte, é uma frase curiosa no texto da revista que resumiu o sacrifício do envergonhado ex-presidente.

     “Ônibus lotados traziam, aos milhares, turistas que iam ver o aposentado ilustre no lugarejo de apenas 120 habitantes.”

?Como a redatora do textículo está no Brasil,  por que terá escrito que os ônibus “TRAZIAM” turistas que “IAM” ver o envergonhado ex-presidente? Sim, porque ele estava ensaiando o grande salto da vergonha.

É claro que os ônibus LEVAVAM os curiosos desocupados de Seul e de outras praças da Coreia para ver o infeliz dr. Roh. Estavam por lá e os levavam mais para lá ainda. Tudo muito longe daqui. Beeeeem looonge.

Aquele é um país em que são raros os políticos corruptos ou acusados de corrupção; raros o suficiente para despertar curiosidade.

No Brasil está looooonge de ser assim. Tanto que precisamos nos desviar deles, que não pulariam dois degraus para purgar alguma culpa. (Ou “degrais”, como diriam alguns deles.)

É só olhar o velho-novo ministério e o novo-velho ministério, ambos mais ou menos iguais. (Sem falar no Cunha, o símbolo.)

Curioso é que a confusão entre os verbos “ir” e “vir”, “levar” e “trazer” costuma ocorrer na fala de estrangeiros. Pode ser que a redatora seja poliglota e tenha feito a mistura de “levar” e trazer” na cuca. Tudo é possível.

Enfim, não há o que fazer senão torcer para que todos eles pulem. Tirando 3,87% dos políticos honestos e bem-intencionados do país, que pulem todos os outros, do velho e do novo governo, da Câmara e do Senado, de governos, assembleias e câmaras regionais.

 PULEM!

Apenas um sonho em forma de desejo. Primeiro, porque não há precipícios suficientes neste país; segundo, porque eles jamais fariam o favor de atender ao sonho/desejo da maioria, já que política e vergonha parecem termos inconciliáveis.

Uma pena que não passe de sonho nestes tempos crepusculares.

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JOSUE 2Josué Rodrigues Silva Machado, jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, Best Seller, SP, 1995; e “Língua sem Vergonha”, Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade.

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