Pra mim é pouco, pra você é demais. Por Josué Machado

PRA MIM É POUCO, PRA VOCÊ É DEMAIS

Por Josué Machado

Quando as reivindicações populares são excessivas, e as dos que mandam são insuficientes

 O  secretário da Educação do Estado de São Paulo, desembargador José Renato Nalini, publicou texto no site da Secretaria da Educação em defesa do liberalismo econômico. Escreveu coisas como “LAISSEZ FAIRE” e “LAISSEZ PASSER”, sem os hifens regulamentares, e “AUTO-ATRIBUINDO-SE DE TAMANHOS ENCARGOS” em vez de “autoatribuindo-se tamanhos encargos”.

Mas esses são pequenos escorregões formais que nem convém discutir, tampouco o estilo cambaleante, embora de tão nobre e educadora autoria.(Prováveis derrapagens da pena com que escreve o desembargador.)

Convém lembrar, isso sim, que “laissez-faire” e “laissez-passer” (“deixai fazer” e “deixai passar”, literalmente) são os princípios que balizaram o velho liberalismo econômico definido pela liberdade total de produção e comercialização de mercadorias. Mais tarde, os excessos do liberalismo foram e continuam contidos por algum dirigismo estatal, mesmo nas sociedades mais livres.

Pois na defesa do liberalismo, o secretário Nalini escreveu as seguintes bem-traçadas linhas, entre outras, reprovando as reivindicações de professores e da população inquieta:

Vive-se a paranoia de um Estado a cada dia maior. Inflado, inchado, inflamado e ineficiente. Sob suas formas tradicionais – Executivo, Legislativo e Judiciário. Todas elas alvo fácil das exigências, cabidas e descabidas, de uma legião ávida por assistência integral. DESDE O PRÉ-NATAL À SEPULTURA, TUDO TEM DE SER OFERECIDO PELO ESTADO. E assim se acumulam demandas junto ao Governo, junto ao Parlamento, junto ao sistema Justiça.” (Grifos e destaques deste escriba.)

O secretário tem razão. Ninguém paga pelo ar, embora meio poluído nas grandes cidades. A ótima escola pública não custa nada. É de graça também a merenda escolar, verdade que às vezes meio minguada porque pelo jeito uma quadrilha cheia de figurões estaduais — ainda impunes — andou metendo a mão na comida das crianças.

Muito ruim para o governador Geraldo que tais figurões, como o presidente da Assembleia paulista, Fernando Capez,  um dos investigados, sejam ou tenham sido tão próximos e continuem bloqueando o andamento do inquérito e da CPI.

E agora, lembra bem o secretário/desembargador, a “legião ávida” quer “assistência integral”, “desde o pré-natal à sepultura”.

Sim, do pré-natal à sepultura, safadinhos, como já têm direito os desembargadores, entre eles o próprio Nalini. E os desembargadores têm mais, além de salários  não raro superiores ao teto salarial dos ministros do STF, agora elevados de R$ 36.813,88 para R$ 39.293,38 a partir de janeiro próximo, fora os penduricalhos: têm dois meses de férias por ano, mais recesso judicial de 18 dias, carro com motorista e gasolina por conta do Estado, auxílio-alimentação e auxílio-mudança; em alguns estados, os juízes têm direito a auxílio-saúde e auxílio-funeral.

E nada de horário fixo e nem de controle de produção. (Alguns processos dormem anos e anos em plácido repouso gavetal, e ninguém tem nada com isso.)

Há também o discutido auxílio-moradia mensal de R$ 4.377,73 defendido como justíssimo pelo então presidente do Tribunal Regional de Justiça de São Paulo, José Renato Nalini no Jornal da Cultura

Disse então Nalini que os juízes precisam andar bem vestidos, e “não está dando para ir toda hora a Miami comprar ternos”, por isso o auxílio-moradia era bem-vindo. Defendeu também melhores ganhos para o Judiciário.

(Atendendo a pedidos, os servidores do Judiciário vão ter os vencimentos reajustados em 41% de forma escalonada, em oito parcelas, de 2016 a julho de 2019.)

Pois mal, de acordo com o nalínico raciocínio, pode-se concluir que o MEU-DELE, da classe dele, é direito sagrado. Não é um “MEU” pra qualquer um. É o “MEU” do pessoal do Judiciário, do Ministério Público, do Executivo e do Legislativo, agora aumentado em 20%; um “MEU” especialíssimo,  justo e inalienável; só gente de má-fé poderia notar nesse “MEU” algum privilégio.

Quanto ao “meu” dos outros, a gente discute. Porque o dos outros tende a ser  privilégio — exigência descabida de uma “legião ávida por assistência integral”.

(Verdade que essa “legião” é impulsionada frequentemente por agitadores infiltrados — coisa talvez inevitável nas democracias e com a qual é preciso saber lidar apesar das dificuldades.)

Conclui-se que teve razão Luis Fernando Verissimo ao criar o emblemático personagem “QUEROMEU”, assim como Chico Anysio criou o também antológico JUSTO VERÍSSIMO — símbolos perfeitos de grande número de representantes e administradores dos direitos do povo brasileiro, alguns até sem votos.

Aliás, por que será que o governador Geraldo escolheu um senhor egresso da Justiça para secretário da Educação? Que ninguém creia que para obter a simpatia da Justiça em caso de conflitos como os que pululam por aí.

Nunca.

maxijustogrife
Chico Anysio e seu Justo Veríssimo

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JOSUE 2Josué Rodrigues Silva Machado, jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, Best Seller, SP, 1995; e “Língua sem Vergonha”, Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade.

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