As linhas do futebol. Coluna Mário Marinho
As linhas do futebol
Assim como Deus escreve certo por linhas tortas, o caminho certo do futebol nem sempre segue por linhas retas.
Ganso está de volta à Seleção Brasileira e chega graças à contusão de Kaká que foi cortado.
Na verdade, Ganso já fazia por merecer a convocação.
Hoje, Paulo Henrique Ganso não é mais aquele menino que brilhou no Santos há seis anos, nem o apático jogador que o São Paulo contratou há quatro anos, em 2012.
Ganso é um jogador mais completo, mais experiente, mais maduro. Seu futebol está mais ofensivo, mais produtivo.
Agregou ao craque refinado a vontade e a competência de fazer gols. Neste ano, já foram 7 em 20 jogos. No ano passado, em toda a temporada, fez apenas 3 gols. Ele mesmo reconhece que agora tem procurado mais o gol. No seu tempo de técnico do São Paulo, Muricy Ramalho insistia para que Ganso finalizasse mais, procurasse mais o gol adversário.
Além do excelente jogador, Ganso assumiu definitivamente a responsabilidade de ser o líder do time.
Tomara que mostre tudo isso – e tenha chance – nesta Copa América.
Amor e ódio
A moeda que mede o amor é a mesma que mede o ódio. Só que os dois estão voltados de costas um para o outro, mas, ligados como se fossem xifópagos que não se desgrudam, que não se vêm, mas se falam, se entendem.
Conheço pessoas que detestam o Corinthians simplesmente porque têm um vizinho, um colega de trabalho ou o amigo desmedidamente corintianos que vibra, que grita, que solta foguetes. Insuportável, exclama o anticorintiano.
Tenho uma tia, brasileiríssima, que certa vez me surpreendeu dizendo que iria torcer contra a Seleção Brasileira. Por quê?, quis eu saber. Não tem jogador do Atlético, rebateu em cima. Odiou aquela seleção.
Meu pai detestava o Atlético e um dia ele me explicou o motivo maior. Ele trabalhava na Guarda Civil em Belo Horizonte e muitas vezes era escalado para trabalhar em jogos de futebol. Ele só não gostava de trabalhar nos jogos do Atlético porque, em todos eles, sobravam confusões, brigas, correrias. Daí, além de mais trabalho, a segurança dele estava sempre em risco.
Eu não cheguei a odiar o Atlético, mas torcia contra o Galo e me tornei torcedor do América por influência do meu pai.
Tenho um amigo que acha todo carioca chato só por causa de tantos “xis” nas palavras dele carioca. Palavraxsxsxsxsx.
O que me trouxe esse assunto é a carta abaixo enviada pelo meu amigo Toinho Portela, diretamente do Recife. Tive a felicidade de trabalhar ao lado do Toinho nos bons tempos do Jornal da Tarde.
Toinho está lá no Recife e eu aqui em São Paulo. Nos comunicamos e volta e meia ele me puxa a orelha acusando minha coluna de “paulistana”.
Leia o saboroso texto dele.
“Um vizinho, aqui do condomínio onde moro, há décadas torce contra a seleção brasileira, por uma certa implicância que nunca entendi realmente. Mas não é como outro velho amigo, que dizia não gostar dela, a seleção, por tratar-se apenas da seleção do Centro-Sul e, por isso…
Às vezes me sinto um pouco “separatista” também com relação ao escrétiche (escrevo assim porque, e lá vai uma implicância “separatista”, esta minha, com o aportuguesamento carioca “escrete” da palavra inglesa “scratch”, que aqui em Pernambuco se pronuncia diferente, algo como “xcrett”), já que sempre foram selecionados somente jogadores de clubes sudestinos.
Sempre, não: quando eu era menino, aí pela década de 1950, só vestiam a camisa da CBD jogadores do Rio e de São Paulo; depois, bem depois, vieram os de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul.
Sejam ou tenham sido lá como forem, passados os tempos, os preconceitos regionais; as corrupções no futebol brasileiro, de Havelange a Teixeira e a nem sei mais quem hoje; a comercialização dos jogadores, “escravos de ouro” do capitalismo financeiro de xeiques do petróleo e de súbitos magnatas pós-soviéticos russos; e – ainda pior para o jogo em si – a geometrização das táticas em detrimento da criatividade garrinchesca do drible-diversão, isso tudo me fez perder o velho encanto pelo futebol.
Não sou do tempo dos robôs.
Sim, mas e a seleção? A camisa amarela (nunca me agradou a azul, apesar de 58) me fez vibrar na juventude. Sofri aos 12 anos, ouvindo, no rádio RCA lá de casa, Hungria 4×2 Brasil. Mr. Ellis, o juiz inglês, era um ladrão, safado, que espoliou o Brasil! Eu não tinha, em 1954, noção do trauma de 1950, no Maracanã. Mas veio 1958, na Suécia, e, ainda pelo rádio (já havia os de pilha), comemorei. Depois, 1962 (videoteipe), 1970, 1994, 2002…
Pois é, Marinho, amigo, torci sempre pelo Brasil e, pernambucano vivendo em São Paulo, em 1970 só não dei mais pulos pela seleção inesquecível do México porque era difícil fazer festa durante aquela ditadura cruel que os generais de então impunham, a ferro e fogo.
Digo tudo isso por quê?
Apenas para afirmar, passadas as décadas, os métodos da política e do futebol, como um todo, que volto aos meus amigos antisseleção citados no início para concluir que, para ser sincero, não acho a menor graça nesse grupo de cidadãos de nacionalidade brasileira que se vestem com a camisa amarela(da) de uma hoje CBF espúria, dirigidos por um treinador cujo único mérito remonta há 22 anos, data em que eu mesmo o aplaudi, no Tetra.
Depois, ignoro a personalidade e a atuação de quase todos os atuais (atuais e de alguns anos para cá) jogadores da seleção brasileira. Até que, aqui e ali, vejo notícias na televisão e leio seu blogue paulistano, mas não faço a mínima ideia, por exemplo, de onde se originou esse Jonas (sim, sei que joga em Portugal), por exemplo. Gabi Gol? Já ouvi muito falar dele, mas quem é mesmo? E Filipe disso, Renato daquilo, Diego dos Grudes, João das Quantas? Sacou? Eu e os tantos milhões de brasileiros não sudestinos os conhecem? Nem os sudestinos! Você mesmo, doutor no assunto, certamente não me contaria agora a trajetória mínima de uma porção de “craques” convocados por Dunga. Aceita o desafio?
Bem Toinho, uma aposta desta, é mamão com açúcar.
É claro que Você vai ganhar. E é claro que eu não vou apostar.
Assistindo pela TV ao jogo da Seleção (jogo? Futebol?) ao lado de minha caríssima metade, de repente apareceu o Jonas, citado por Você. Vera Marinho, Primeira Dama desta coluna, perguntou-me:
– Quem é esse?
– É o Jonas.
– De onde?
– De Portugal.
– De qual time?
– Do Sporting. Ou do Benfica – respondi com cinismo mas com a certeza de que a resposta estava correta. Se é de Portugal, só pode ser de um dos dois.
Gosto da camisa amarela. Se bem que volta e meia vejo alguns radicais livres associando a camisa à corrupção da CBF e ou ao “golpe”.
Eu uso, acho bonita e gosto da camisa amarela. Não vou deixar de usá-la só porque tem gatunos na CBF. O Brasil está cheio de gatunos e eu não vou deixar de gostar do Brasil por isso.
Não me lembro da Copa de 50 nem da de 54. Mas, lembro-me da Seleção Brasileira jogando contra a Inglaterra, em Wembley. Acompanhei pelo rádio, claro. Perdemos por 4 a 2 e o grande Gilmar ainda defendeu dois pênaltis. Isso foi em 1956.
Você não sabe, Toinho, a emoção que senti quando conheci Gilmar pessoalmente. E o entrevistei. Maior goleiro do Brasil, grande pessoa.
Em 1957, vibrei muito quando saiu a convocação da Seleção Brasileira que iria participar do Sul-americano e lá estava o goleiro Edgar, o único mineiro convocado. E mais do que isso: goleiro do América.
O futebol é isso, Toinho. Doces recordações. Pueris vibrações.
Nós amávamos os jogadores dos nossos tempos, porque achávamos que eles amavam nossos times. Hoje achamos que são mercenários.
Daquela época ou de hoje, são todos profissionais.
Você se lembra daquela manga que a gente apanhava nos pés e que comíamos com o caldo escorrendo pelos braços, pelos cotovelos? E depois nos deixava com a boca cheia de fiapos?
A gente achava aquela manga o máximo, delícia suprema.
Hoje, Toinho, prefiro a manga Palmer, sem fiapos e sem escorrer pelos braços.
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Mario Marinho – É jornalista. Especializado em jornalismo esportivo foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, nas rádios 9 de Julho, Atual e Capital. Foi duas vezes presidente da Aceesp (Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo). Também é escritor. Tem publicados Velórios Inusitados e O Padre e a Partilha, além de participação em livros do setor esportivo
OI, mário,
gostei da coluna!!!! valeu!! saudosismo puro ,não é? Verdade verdadeira também!!!!
bjs. M. Helena