Lascas de um mistério ou O sonho acabou
LASCAS DE UM MISTÉRIO ou O SONHO ACABOU
Por Josué Machado
Diário, transcrição de escuta ou material “plantado”? Não importa, os rabiscos têm certo sabor
Encontrou-se um manuscrito quase todo queimado. A pessoa que o encontrou disse tê-lo recolhido nas imediações do lugar descarte de material usado de um hotel de luxo em Brasília.
São mais legíveis as duas páginas finais, aqui registradas, do que foi possível salvar.
É possível que tenha sido descartado por engano porque contém comentários curiosos que poderiam implicar o autor, não fosse anônimo e escrito a mão, mas em letras de forma, com menção a políticos e a certos fatos recentes.
Mas também pode até ter sido “plantado” de propósito para parecer produzido por um político qualquer, talvez não difícil de identificar pelo vocabulário e o “estilo”.
São registros feitos num caderno comum, desses escolares.
Parecem ser fragmentos de uma espécie de diário. Poderiam também ser anotações ou até degravações parciais de um só lado da conversa.
Impossível saber com certeza qual sua verdadeira natureza e finalidade.
A propósito de “estilo”, percebe-se certa mistura, com termos de gíria e uma ou outra palavra mais frequente na linguagem culta.
Fizemos algumas pequenas intervenções, em geral na pontuação, para tornar o texto um pouco mais legível, mas deixamos várias incorreções, que lhe dão mais sabor.
Eliminamos também um ou outro tabuísmo, nome que Temer Lulia dá a palavrão excessivamente chulo, o palavrão de péssimo gosto, se é que há algum de bom gosto.
Pegadinha, talvez, mas, dada a curiosidade do conjunto, achamos conveniente divulgá-lo.
Eis o que conseguimos recuperar.
“Ah, meu chapa, como era bom meter a mão na bolsa funda e larga das empreiteira. Só que a gente sempre ajudamos a encher essas bolsa de grana pela manobra que depois os féla da p…(*) chamaram de mensalão e petrolão. E a gente só tinha melhorado e aumentado o esquema que vinha de muito longe.
Tudo pelo partido e pelo povão.
Talvez a gente tenha abusado e aumentado demais a coisa.
Bons tempos!… A gente passava parte pro partido e outra parte pros outro partido picareta aliado, sinão não tinha jeito. E parte pro nosso bolsinho furado, claro, que ninguém é de ferro! Como todos fizeram sempre.
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Era viagens, e boas bebida, e vida boa, e ninguém pra enxer o saco! Porque tudo andava muito bem!
Ninguém dava palpite, tudo estava sempre bem feito, a gente mandava, e todo mundo pulava sem bufar. Ou se bufava a gente mandava calar a boca e acabou-se.
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E o povão sempre contente! Também, tinha de tudo. Como era bom!
Mas isso foi antes da posse dela. Cag… das grande. Onde é que eu tava com a cabeça?!
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Depois começaram a meter os pé pelas mão, aquele bando de féla (sic) da p… e deu no que deu. Gente na cadeia e nós na fria.
Bando de féla da p…!
O pior foi aqueles aliado fajuto querendo sempre mais, sempre mais, cada vez pedindo mais.
Cambada de féla da p…!
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Aí apareceu aquele juiz caipira pra estrepá tudo. Desgraçado!
Sobrou pra nós!
E pro Aécio Narisinho nada, nem com avião, pista na fazenda dele (ilegível)… Nada!
Bando de felá da p…!
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E aquela bagaçona abestada no palácio… Não sabe fazer nada direito…
Aí botou aquele Margarina meia-boca na Fazenda, aquele vaca-de-presepe atrapalhado, e danou-se tudo.
Então começou a não dar mais nada certo, cacete!
E aquele cabeludo seboso dedo-duro cara de vaca féla da p…! Tudo gravado, o burro!
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E esse pessoal do PMDB… Tudo féla da p… Veja só o Pisciani, outro traíra safado. E o raposão do Jucá, mais sujo do que pau de galinheiro e grudado no poder desde que nasceu. Passeou pelos governos do Figueredo, do Sarney, do Caçador de Marajás, do Itamar,do Fernandenrique e também grudou na gente, sempre contando lorota pelaí. Mamando sempre. Grande féla da p…
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E foi ficando cada vez mais claro que o mordomo de velório queria porque queria o lugar da lambona. Quase todo mundo entrou nessa onda. Ela não soube ganhar os cara. A gente sabe que é tudo picareta. Só 300? São mais de 500.
Mas sem eles ninguém governa.
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Pronto, agora acabou, estrepou tudo. Tudo por causa dessa cambada de incompetente féla da p…, corno do cacete (Ilegível) desgraçado.
Agora a gente pasta que nem bode no capim seco do sertão, cambada de bosta!
Não tem mais geito! F…-se todos!
Como fala esses viado engomadinho por aí, O SONHO ACABOU.”
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NOTA: (*) “Féla da p…” é o mui conhecido “filho da p…”. Quanto ao “p”, se alguém tiver dúvida, parece significar paloma, pécora, pega, perdida, perua, piranha, piranhuda, pistoleira, piturisca — dentre os 101 sinônimos registrados pelo Houaiss eletrônico completo, edição 2010, para nomear a infausta senhora.
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Josué Rodrigues Silva Machado, jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, Best Seller, SP, 1995; e “Língua sem Vergonha”, Civilização Brasileira, RJ, 2011, livros de avaliação crítica e análise bem-humorada de textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade.