Prestes e a lenda do sapo barbudo
Prestes e a lenda do sapo barbudo
Por Miguel de Almeida
Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo, tendências/debates, edição de 30 de maio de 2016
… Lula, 70, depois de liderar greves históricas, e ser duas vezes presidente do Brasil, enfrenta agora seu calvário. Vive com medo de ser preso. Ao contrário de Prestes, não por questões políticas…
A história só termina quando acaba, segundo o filósofo Chacrinha. Até o momento, Luiz Inácio Lula da Silva e Luís Carlos Prestes são identificados como os dois mais populares líderes da esquerda no Brasil.
O comunista Prestes morreu em 1990, aos 92 anos, e presenciou a derrota de Lula para Fernando Collor, em 1989. Teve uma vida recheada de aventuras: militar, engenheiro ferroviário, viveu na clandestinidade por décadas, passou nove anos na cadeia getulista, foi exilado. Na academia militar, onde se formou, sua inteligência em cálculo era uma lenda. Na arte militar, nem tanto.
Talvez por isso seja tão criticado. É reconhecido por sua liderança férrea e, principalmente, pela quantidade absurda de erros estratégicos cometidos em sua ação política.
Em 1935, acreditou que tinha apoio popular para a tentativa de um golpe e acabou pendurado na brocha e na cadeia. Teve sorte, pois alguns de seus companheiros terminaram mortos.
Durante uma de suas fugas, esqueceu algumas cadernetas com nomes e outras informações de seus correligionários. À la Marcelo Odebrecht, tinha mania de anotar dados que deveriam ser sigilosos…
Acertou quando se opôs à luta armada contra o regime militar de 1964 e provocou o racha no Partido Comunista Brasileiro. Mas perdeu do mesmo jeito: do exílio, acompanhou o trucidamento e morte de vários de seus companheiros.
Durante uma de suas fugas, esqueceu algumas cadernetas com nomes e outras informações de seus correligionários. À la Marcelo Odebrecht, tinha mania de anotar dados que deveriam ser sigilosos.
A repressão fez o diabo com aquelas anotações em mãos. Embora tenha feito um mea-culpa, passou a ser considerado um trapalhão por seus críticos.
… Com diversas marcas de batom na cueca, do tipo sem explicação cabível, a cada nova nota oficial de seu instituto reconta suas versões para as mesmas histórias…
No fim da vida, estava isolado politicamente e ao lado de Leonel Brizola, então um áspero gozador de Lula. Morreu sem esclarecer candidamente o que fizera com um dinheirinho dado por Getúlio Vargas no início da década de 1930. Bem, a causa, a causa. É, ainda assim, um dos ícones da esquerda brasileira.
Lula, 70, depois de liderar greves históricas, e ser duas vezes presidente do Brasil, enfrenta agora seu calvário. Vive com medo de ser preso. Ao contrário de Prestes, não por questões políticas.
Com diversas marcas de batom na cueca, do tipo sem explicação cabível, a cada nova nota oficial de seu instituto reconta suas versões para as mesmas histórias.
Sua trajetória política até o momento não é um primor de estratégia: resultou na perda dramática de vários de seus generais (muitos deles ora em retiro forçado na aprazível Curitiba), de seus tenentes (alguns em silêncio cativo e outros usufruindo dos mesmos ares do sul) e de seus escribas (com a perda de cargo). Assiste atônito à possibilidade de perder a rainha e seus dois pedalinhos.
No caso de Lula, a história ainda continua em narrativa. A cada novo dia, um parente ou amigo seu é brindado com a visita inesperada da Polícia Federal. A população de Curitiba cresce na mesma proporção em que seu partido e apoio político minguam. Triste passado.
Não se sabe qual erro político foi maior: o de Lula, ao se aliar à turma oriunda da luta armada, que jamais fez autocrítica, ou o desses ex-combatentes em armas (vamos tirar José Dirceu daí, já que ele enfrentou apenas um bisturi), ao cair no conto de um sindicalista que nunca foi de esquerda e que, no poder, se amancebou aos poderosos.
Isso, Prestes jamais fez. Ponto para o Velho.
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MIGUEL DE ALMEIDA é editor e escritor. Dirigiu, com Luiz R. Cabral, o documentário “Não Estávamos Ali para Fazer Amigos”, sobre a atuação do caderno “Ilustrada”, da Folha, no fim da década de 1980