Trivial requentado
Por Alexandre Schwartsman
… Infelizmente, porém, as propostas petistas não trarão de volta a política econômica do governo Lula, mas sim o que preconizavam antes de 2003 e que veio a se tornar a tal “Nova Matriz Econômica” (NME), já no primeiro governo Dilma…
Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo, coluna do autor, edição de 2 de março de 2016
Fiéis ao espírito do aniversário do partido, economistas do PT propuseram um programa de emergência que prega a volta da política econômica aos padrões que vigoraram no governo Lula. Seria ótimo se fosse verdade.
Entre 2003 e 2010 o superávit primário recorrente atingiu, em média, 2,6% do PIB, considerando o afrouxamento da política fiscal em 2009 e 2010 (nos demais anos a média foi 3,2% do PIB). Já o desvio médio da inflação com respeito à meta foi inferior a 0,7% por ano, cerca de um quarto do observado no governo Dilma, refletindo tanto o melhor desempenho fiscal como a autonomia do BC.
Aquele período (ao menos até 2006) foi também marcado por reformas: a criação do crédito consignado, a reabilitação das garantias no crédito habitacional, assim como a nova lei de falências. Soma-se a isto a reforma previdenciária que elevou a idade mínima para aposentadorias dos servidores e criou a possibilidade de fundos de pensão para o funcionalismo.
Por fim, na política social tivemos a fusão dos vários programas de transferência no Bolsa-Família, inicialmente execrado pelos economistas do partido como Maria da Conceição Tavares, que classificou um de seus defensores, Marcos Lisboa, como “débil mental”, sem, diga-se, qualquer protesto de nossos sempre tão sensíveis “keynesianos de quermesse”.
Infelizmente, porém, as propostas petistas não trarão de volta a política econômica do governo Lula, mas sim o que preconizavam antes de 2003 e que veio a se tornar a tal “Nova Matriz Econômica” (NME), já no primeiro governo Dilma.
Redução na marra da taxa de juros (a despeito da inflação crescente), “revitalização” do PAC e aumento do gasto público são todos elementos do trivial requentado da NME. A estes se somam elevação de impostos e, coroando a obra, a proposta de utilização de parte das reservas internacionais para financiar novos gastos.
… Com o perdão do clichê, não aprenderam nada, não esqueceram nada….
Esta última, em particular, promete ser especialmente danosa. Equivale, em última análise, a vender as joias da família para bancar novos gastos, ao invés de aproveitá-las para reduzir o endividamento. No fim da história sobrariam mais gastos e dívida mais alta, acompanhada de crescente fragilidade externa resultante de um colchão menor de proteção em moeda forte.
O desastre de 2011-2014 – estagnação seguida de recessão, inflação alta, desequilíbrio externo e redução dramática do ritmo de crescimento da produtividade – deveria bastar para convencer qualquer um que a retomada da NME, vitaminada por atrocidades adicionais, nos levaria de vez ao fundo do poço.
Até o Ministro da Fazenda, um de seus criadores, ainda hesita em levá-la às últimas consequências, mas isto não é suficiente para os seguidores do “princípio da contra indução” (segundo o qual o fracasso de uma experiência, ao invés de resultar na rejeição da hipótese, torna-se pretexto para nova tentativa, na esperança que desta vez funcione) reconhecerem os problemas dela originados.
Com o perdão do clichê, não aprenderam nada, não esqueceram nada. Por conta disto, às vezes me pego torcendo para que executem o que prometem para ver se novo fracasso retumbante lhes ensinaria algo de útil; mas depois me lembro de que tratamos de gente imune ao aprendizado. Seria um enorme custo sem sequer este modesto benefício.
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• * ALEXANDRE SCHWARTSMAN – DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS
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