Eu quero um mundo melhor para a minha filha, defendo a justiça social, a sustentabilidade, a igualdade de oportunidades, o fim do alistamento (sem smilitar obrigatório e a liberação da maconha (apesar de não fumar). Sou reformista e milito numa sigla que teve origem no Partido Comunista er comunista, óbvio). Mas sou coxinha…
Tem acarajé, tem coxinha, tem enroladinho de sobra. Nada a ver com essa nova onda gourmet, mas com o prato requentado e indigesto da política brasileira com tempero petista. Para completar, tem chefe marqueteiro preso e o pessoal da cozinha do Lula afirmando que o ex-presidente é achincalhado por coxinhas. Então, de estômago embrulhado, resolvi sair do armário. Pensei muito, respirei fundo e decidi assumir. Tomei coragem e vou gritar para todo mundo ouvir: EU SOU COXINHA!
Sou daqueles que a ministra Cármen Lúcia traduziu no voto do STF: “Na história recente de nossa pátria, houve um momento em que a maioria de nós brasileiros acreditou no mote de que a esperança tinha vencido o medo. Depois, nos deparamos com a ação penal 470 (mensalão) e descobrimos que o cinismo venceu a esperança. E agora parece se constatar que o escárnio venceu o cinismo.”
Eu votei quatro vezes no Lula (1989, 1994, 1998 e 2002), botei estrelinha no peito, cantei Lula-lá, xinguei o Collor e a Globo pela edição manipulada do último debate daquela primeira eleição direta, mas agora estou reagindo contra o cinismo e o escárnio. Eu sou coxinha.
Sou fã do Sergio Moro, do Joaquim Barbosa, do Ministério Público e de uma turma de ex-petistas: Luiza Erundina, Marina Silva, Fernando Gabeira, Cristovam Buarque, Heloisa Helena, Soninha Francine, Helio Bicudo, Marta Suplicy.
Leio a Veja antes da Carta Capital, assisto Danilo Gentilli e Marcelo Adnet na “mídia golpista”, tuíto com o Lobão, assino a Folha e… Preciso confessar com um certo constrangimento: eu me identifico mais com o movimento do Kim Kataguiri do que com o do Guilherme Boulos.
Tenho asco por políticos como Bolsonaro e Feliciano, blasfemo contra o Malafaia e o Edir Macedo, mas (vou falar!) fui pra rua nas manifestações pelo impeachment da Dilma. Aliás, voltei às ruas, onde estreei ainda criança, nas diretas-já, permaneci adolescente como cara-pintada e, velho de guerra, agora divido espaço com o boneco Pixuleco.
Eu ajudo a combater o preconceito contra negros e minorias, contra a intolerância, contra o ódio nas redes, contra o machismo, contra a homofobia. Eu quero um mundo melhor para a minha filha, defendo a justiça social, a sustentabilidade, a igualdade de oportunidades, o fim do alistamento militar obrigatório e a liberação da maconha (apesar de não fumar). Sou reformista e milito numa sigla que teve origem no Partido Comunista (sem ser comunista, óbvio). Mas sou coxinha.
Não frequento a Oscar Freire, debocho das dondocas dos Jardins que se julgam politizadas por terem posado de verde-e-amarelo para a Caras no último domingo ensolarado de protestos ou saído uma noite em caravana para o sopão dos moradores de rua. Ao contrário delas, sei que Costa e Silva não é apenas o nome de um viaduto. Faço compras, sem nenhum constrangimento, em liquidação de loja de departamentos no shopping. Grife, tanto faz. Tem um xing ling legal lá na Vinte e Cinco. Mas sou coxinha.
Vibro com essa história de reocupar o espaço público, com o fechamento da Paulista e do Minhocão. Sou amplamente favorável às ciclovias, apesar de não andar de bicicleta para não chegar suado e extenuado no trabalho. Economizo menos água do que deveria porque tomo dois banhos diários. Uso carro. Ônibus, muito pouco. Metrô, às vezes para ir ao centro ou assistir o Corinthians no Itaquerão. Mas acho a gestão Haddad uma ruindade. Então, sou coxinha.
Tenho casa própria. Aliás, um “apertamento” que precisa de uma reforminha (Alô, Odebrecht! Alô, OAS!). Defendo parques, áreas verdes e mananciais contra a ocupação de movimentos de moradia. Contribuo como voluntário para criança carente, velhinho e o hospital do câncer. Pego da rua animais abandonados para cuidar. Admiro o trabalho da Luisa Mell e do Luciano Huck.
Eu sou coxinha. Será um caso perdido? Em busca da resposta, nessa minha jornada interior (sem nenhuma pitadinha do charme da Julia Roberts em Comer, Rezar, Amar), recorro novamente ao já histórico voto da ministra do STF: “Quero avisar que o crime não vencerá a Justiça”. Agradeço pelo alimento que coloca na nossa mesa. Um minuto de silêncio pela alma dos petralhas.
Amém.
Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS/SP, diretor-executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira) e apresentador do #ProgramaDiferente (www.programadiferente.com)