… a primeira vez na história do movimento operário, desde Marx, que um documento do partido bolchevique havia sido publicado em um jornal da burguesia e não por um órgão central dos trabalhadores. Como muitos de seus companheiros, Isaac se perguntava: por que Kruschev o entregara aos americanos?
No próximo dia 24 completam-se 60 anos do discurso proferido por Nikita Kruschev no 20º Congresso do Partido Comunista Soviético, em que denunciava os crimes de Stalin. O relatório – que deveria ser mantido em segredo – foi publicado no The New York Times. Aqui no Brasil, saiu primeiro na revista judaica Aonde Vamos?, do incrível jornalista Aron Neumann, só depois em O Estado de S. Paulo e, mais tarde ainda, no Diário de Notícias carioca.
Em uma entrevista concedida em 1992, o jornalista Isaac Akcelrud comentou que, para os comunistas como ele, “não era uma boa recomendação o relatório sair no New York Times e no Estado de S. Paulo, veículos meio suspeitos”. Mas a confirmação de que o material era verdadeiro veio por intermédio de Osvaldo Peralva, representante do Brasil no Cominform (Centro Internacional de Informação dos Partidos Comunistas), que voltara havia pouco de Moscou.
… Isaac Akcelrud chegou a escrever um bilhete para o Luís Carlos Prestes: “Companheiro, você é o homem em quem todo o partido confia, pega o touro pelo chifre, abre essa discussão, segura isso na mão, ajuda o partido a emergir dessa crise. Nós estamos acossados com esses problemas todos, ajuda a gente a pensar essas dificuldades todas. Vamos superar isso”.
“Se era verdade, a gente não podia cruzar os braços, porque aquela política denunciada pelo Relatório Kruschev tivera efeitos terríveis, desastrosos, no Brasil, através do que nós chamamos aqui de mandonismo. Não se argumentava mais, não se discutia mais, alguém mandava e alguém obedecia e acabou”. Enquanto jornalistas e intelectuais do Partido, no Rio, resolveram que era preciso discutir o documento, o Secretariado do Comitê Central, na pessoa de Luís Carlos Prestes, negou-se a tomar qualquer atitude a respeito.
Isaac Akcelrud chegou a escrever um bilhete para o Luís Carlos Prestes: “Companheiro, você é o homem em quem todo o partido confia, pega o touro pelo chifre, abre essa discussão, segura isso na mão, ajuda o partido a emergir dessa crise. Nós estamos acossados com esses problemas todos, ajuda a gente a pensar essas dificuldades todas. Vamos superar isso”.
Em resposta, Prestes deu uma entrevista dizendo que Partido “não é um clube de debates”. Isaac retrucou, escreveu nos jornais do PCB que sim, o partido é um clube de debates. “A obra de Lenin é toda ela um debate, o partido todo é uma discussão, não há esse troço de um partido bonitinho, de um ditador de regras lá em cima e pronto”.
Aqueles a favor de uma discussão formavam um grupo muito coeso, muito fechado: Bento Rodrigues, Osvaldo Peralva, João Batista de Lima e Silva e Vitor Marcio Cohn – que tomou a decisão e lançou a campanha.
Isaac Akcelrud, na ocasião, defendia uma crítica implacável, mas “pela esquerda”. Para ele, deveria ser criado um outro partido, que responderia a uma nova entidade internacional.
Afinal, era a primeira vez na história do movimento operário, desde Marx, que um documento do partido bolchevique havia sido publicado em um jornal da burguesia e não por um órgão central dos trabalhadores. Como muitos de seus companheiros, Isaac se perguntava: por que Kruschev o entregara aos americanos?
“O relatório tem coisas de arrepiar”, recordou Isaac, como a tortura do camarada Kedrov, que durante a Guerra Civil sofreu uma fissura em uma das costelas. Era aí que ele era torturado, era aí que eles batiam, na sua ferida de honra, na sua ferida da guerra civil, quando ele lutou pelo poder soviético. “Era a contrarrevolução que estava batendo nele. A autodefinição do stalinismo está todinha nas pancadas nas costelas do camarada Kedrov”.
Isaac Akcelrud, ainda guri, foi uma espécie de escritor a serviço das famílias dos ferroviários em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Trabalhou no Correio da Manhã, no Jornal do Commercio (Diários Associados), em O Globo. Nos anos 1980, foi correspondente da Folha de S. Paulo em Israel. Chegou a dirigir a fase final da revista Aonde Vamos? Foi meu companheiro na Agência de Comunicação Social, ACS. Filiou-se ao PT e escreveu nos jornais do MST. Ao longo de sua vida publicou inúmeros livros, alguns considerados clássicos, hoje em dia, sobre a questão palestina e sobre o Oriente Médio.
Quando foi sepultado no Cemitério Israelita de Vilar dos Teles, no Rio, em 1994, recebeu homenagens de um grupo do Movimento dos Sem Terra e, também, da Organização Sionista do Brasil.
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