Sobre ovos e galinhas
Por Alexandre Schwartsman
… Posto de outra forma, o aumento observado nos últimos 18 meses não parece ter resultado das regras associadas à dívida junto ao governo federal, mas pela assunção de novas dívidas, devidamente autorizadas pelos (ir) responsáveis de plantão…
Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo, coluna do autor, edição de 17 de fevereiro de 2016
Sou repetitivo. Há, confesso, temas que recorrem neste espaço bem mais que gostaria, mas, mesmo admitindo minhas obsessões, o problema maior é com o país, que insiste em ser ainda mais repetitivo do que eu.
Vejam agora o pleito de governadores por mais uma rodada de renegociação de suas dívidas junto à União. Desde que o governo federal assumiu as dívidas estaduais, na segunda metade dos anos 90, governadores (e também prefeitos) vêm brigando para não pagar o que devem. O que ocorre agora não é diferente, exceto que, desta vez, parece que irão vencer, com consequências potencialmente desastrosas para as finanças públicas.
A narrativa é conhecida: como as dívidas junto ao governo federal são tipicamente indexadas ao IGP, pagando ainda uma taxa de juros elevada, governadores reclamam que se tornaram impagáveis, em geral comparando a dívida anos atrás com a atual. Por exemplo, o conjunto das dívidas interna e externa dos estados atingia R$ 216 bilhões em dezembro de 2001; já em dezembro de 2015 este valor havia subido para R$ 646 bilhões, praticamente 3 vezes maior do que em 2001 e, portanto, impagável.
Ou não. Quem costuma apresentar os números desta forma espertamente deixa de mencionar que o PIB e as receitas estaduais cresceram no período, pela força combinada da inflação e da expansão real da atividade econômica. O PIB nominal (sem a correção pela inflação) aumentou 4,5 vezes, praticamente a mesma magnitude de crescimento das receitas, seja pelo lado da arrecadação, seja pelas transferências federais.
Assim a dívida estadual – que era equivalente a 15,5% do PIB em 2001 – caiu para 11% do PIB em 2015. Da mesma forma, a dívida equivalia a 1,5 ano de receitas em 2001, caindo para 1 ano em 2015.
Isto dito, a comparação acima (2015 contra 2001) não captura a piora observada a partir de meados de 2014, quando a dívida estadual saiu de 9% do PIB para os atuais 11% do PIB. O notável, porém, é que este aumento não resultou das dívidas reestruturadas nos anos 90, isto é, do que é devido ao governo federal, mas principalmente de outras duas modalidades: a dívida junto a bancos locais (+0,6% do PIB) e dívida externa (+1,0%), esta última em parte impulsionada pela valorização do dólar no período.
Posto de outra forma, o aumento observado nos últimos 18 meses não parece ter resultado das regras associadas à dívida junto ao governo federal, mas pela assunção de novas dívidas, devidamente autorizadas pelos (ir) responsáveis de plantão.
Embora, ao menos em tese, estados possam ter incorrido em novas dívidas para pagar a União, na prática este pagamento manteve-se constante como proporção da receita líquida dos estados, sugerindo que o endividamento adicional ocorreu por outros motivos, a saber, gastos mais altos, em especial associados ao funcionalismo. Em alguns casos as perspectivas de receitas mais elevadas, por exemplo, royalties da exploração de petróleo, induziram governadores a gastar por conta, contando com o proverbial ovo já na galinha.
Apesar do comportamento gastão, o governo federal agora acena com a possibilidade de novamente, resgatar os pródigos, gerando incentivos para mais irresponsabilidade à frente. E mais uma coluna apontando os erros desta postura…
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• * ALEXANDRE SCHWARTSMAN – DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS
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