Entre o bem e o mal
Por Josué Machado
Simplificando: a) ou comunista assador de criancinhas; b) ou reacionário milicoso. Tudo isso, como se fosse fácil identificar os limites entre o bem e o mal no meio absolutamente corrompido, poluído e enevoado em que proliferam esses seres interessados apenas em se dar bem. Não todos: apenas 98,73%.
Noutro dia, depois de uma análise despretensiosa da declaração de Luiz Inácio de que é dono da alma mais honesta deste país, retumbou no ar um silêncio amuado cheio de pesares, com o perfume amargo da censura.
Isso porque há um curioso fenômeno simplificador em curso por aí, exacerbado pelas redes sociais, não é novidade. Trata-se da DISTORÇÃO DA REALIDADE: cada lado maximiza os próprios argumentos e verdades em detrimento dos argumentos e verdades alheias: “MEUS argumentos são sólidos e reais; os SEUS são fátuos e irrelevantes, se é que existem.”
De um lado, quem vota nos candidatos DO GRUPO A, supostamente de esquerda ou agregados, se sente obrigado a aceitar o pacote todo, não importa se o candidato ou o grupo que apoia tenha se enganado com parte da “captação de recursos” e embolsado algum.
É aceitável apenas a “captação” para o bem praticada pelos partidos do grupo, mas, se houve distrações, são perdoáveis porque praticados por gente do bem.
Entre os apoiadores, fulgura o vasto leque que vai dos maluquetes agressivos aos idealistas e aos intelectuais, às vezes “intelectuais”.
Daí a relativização da importância de Mensalão e Petrolão com julgamento ainda em curso.
Do outro lado, exatamente a mesma coisa com sinal contrário: os apoiadores dos candidatos DO GRUPO B, que chamam a si próprios generosamente de liberais, tendem a dar a seus preferidos a mesma irrestrita confiança, sempre aceitando as justificativas ou negativas dos embolsadores distraídos de sua patota.
Entre os que apoiam esse grupo se encontram desde os que acham que o Deus-Mercado tudo resolve até os saudosos de uma boa farda sempre honesta capaz de mandar os políticos adversários e aliados embolsadores distraídos para a cadeia ou para o espaço. Ainda que também haja claramente embolsadores às pencas também entre eles.
Daí a relativização também de coisas esquecidas e engavetadas como: caso Sivam, Banco Econômico/Pasta Rosa, compra de votos na reeleição de FHC, mensalão tucano-mineiro/Eduardo Azeredo, compra de trens em SP, etc.
O “torcedor” bem-intencionado de um ou de outro lado – dos dois lados, portanto –, pode até lamentar às vezes a tristeza em que se transformou seu ideal, MAS SE SENTE NO DEVER INELUTÁVEL DE ACEITAR O PACOTE TODO, portanto procura explicações para os enganos e embolsamentos distraídos; em caso contrário, corre o risco de se tornar adversário, ou pior, inimigo.
Simplificando: a) ou comunista assador de criancinhas; b) ou reacionário milicoso.
Tudo isso, como se fosse fácil identificar os limites entre o bem e o mal no meio absolutamente corrompido, poluído e enevoado em que proliferam esses seres interessados apenas em se dar bem. Não todos: apenas 98,73%.
E assim a cena se transforma em tosco e definitivo Corinthians x Palmeiras cheio de rancor e ressentimento.
Choremos.
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Josué Machado – Jornalista, autor de “Manual da Falta de Estilo”, e “Língua sem Vergonha”, em que avalia, apesar de tudo com bom humor, os textos torturados de jornais, revistas, TV, rádio e publicidade. Trabalhou no Jornal do Brasil e em revistas da Editora Abril.