Garrincha, 33 anos. Coluna Mário Marinho
Garrincha, 33 anos
No último dia 20 fez 33 anos que Garrincha morreu.
Não foi apenas um jogador de futebol, mas um gênio. O mais espetacular jogador que já vi em atuação.
Homem de olhar triste que fez a alegria de muita gente com suas pernas tortas e seus dribles inexplicáveis.
Eu conheci Garrincha no começo de 1958, quando o Botafogo foi a Belo Horizonte enfrentar o meu América. Era o encontro de dois campeões: o carioca e o mineiro.
As coincidências acabam por aí. A diferença entre os dois era quilométrica.
O Botafogo, dirigido por João Saldanha, havia vencido o Fluminense no último jogo por 6 a 2, com cinco gols de Paulo Valentim, em cima do goleiraço que era Castilho.
Eis o time do Botafogo: Adalberto, Beto, Thomé, Servílio, Pampolini e Nílton Santos; Garrincha, Didi, Paulinho Valentim, Édison e Quarentinha.
Meu modesto América, o Coelho, havia enfrentado o Democrata, da cidade de Sete Lagoas, na decisão em melhor de três, vencendo o primeiro jogo por 4 a 1 e empatando os outros dois: 0 a 0 e 2 a 2.
O campeão mineiro foi este: Jardel, Toledo, Cazuza, Fantoni, Moacyr e Gilson; Hernani, Miltinho, Capeta, Wilson e Cyro.
Neste time, meus ídolos eram Jardel, o Cavaleiro Negro, goleiro que sempre jogava de preto; o zagueiro Fernando Fantoni, que não tinha o menor pudor em acertar o adversário caso a bola não estivesse disponível; e o atacante Capeta, grande goleador.
Dizia-se, e com razão, que o Botafogo arrasaria o América.
Fui para o jogo – disputado no antigo estádio da Alameda (hoje um hipermercado) – preparado para pior.
Na ponta, o imarcável Garrincha; no meio do ataque, o artilheiro Paulinho; no meio-campo, mestre Didi. Confesso que tive pesadelos na noite anterior.
Resultado daquela que poderia ter sido uma noite de quarta-feira fatídica: o América perdeu apenas por 2 a 1.
Ah!, que orgulho. Sai de campo de cabeça erguida, nariz empinado e peito insuflado por tão honrosa derrota.
Dez anos depois, conheci pessoalmente Garrincha.
Ele estava treinando para fazer mais uma de suas inúmeras voltas ao futebol, desta vez no Flamengo.
Eu me encontrava no Rio de Janeiro, cobrindo jogos daquele Robertão de 1968 para o saudoso Jornal da Tarde.
Fui à Gávea, conversei com Garrincha e ele topou me receber no apartamento onde morava com Elza Soares, na rua República do Líbano, Copacabana.
Cheguei na hora marcada e fui recebido com certa desconfiança por Elza Soares, de quem eu era fã.
Na voz rouca dela, quantas vezes ouvi e me emocionei o samba “Boato”, de João Roberto Kelly, gravado por ela em 1961, ainda em disco de 78 rotações.
Que ouvir?
Conforme a conversa foi fluindo, ela foi confiando.
Lá pelas tantas da entrevista, perguntei a Garrincha sobre os problemas no joelho e a falta de tratamento médico adequado no Botafogo.
Garrincha sorriu seu sorriso infantil e me respondeu:
– Tem nada disso não, Gente Boa (ele chamava quase todo mundo de Gente Boa).
Elza interrompeu.
– Tem sim, tem muita coisa.
E virando-se para ele:
– Neném (era como ela o tratava), vai lá para a cozinha e faz um cafezinho pra nós. Vou contar tudo o que aconteceu.
Ela me contou. Na verdade, não havia grandes novidades sobre tudo o que aconteceu com Garrincha no Botafogo: as infiltrações feitas no vestiário pouco antes de o jogo começar ou, às vezes, até no intervalo do jogo. Esse é um procedimento criminoso: a infiltração tira a dor, mas não combate o problema que foi se agravando cada vez mais.
Parêntesis. Ruy Castro, que escreveu bela biografia de Mané Garrincha, acrescenta outro dado: Garrincha não deixava operar de jeito nenhum. Ele acreditava piamente na rezadeiras e curandeiras de Pau Grande, sua cidade natal. Esse comportamento e mais a cachaça que ele derramava exageradamente também foram responsáveis pelo agravamento dos problemas no joelho. Fecha parêntesis.
Garrincha serviu alegremente o café e ouviu o resto da entrevista com pouquíssimas interferências.
Ele era assim, simplório.
Naquela época eu já sabia que Elza Soares foi muito importante na vida de Mané Garrincha, ao contrário do que alardeavam alguns – principalmente o advogado das filhas dele – ter sido ela uma exploradora e ruína na vida do craque.
Ela segurou muitas barras do Garrincha.
Garrincha teve muita ajuda. Só não teve juízo.
O jogo-homenagem de despedida levou ao Maracanã 131.555 pessoas que pagaram ingresso. Consta que o único que não pagou foi o presidente da República, general Garrastazu Médici que lá estava. Até mesmo os jornalistas que estavam a trabalho pagaram ingresso. O jogo foi realizado na noite de 18 de dezembro de 1973.
A renda, de cerca de 230 mil dólares, uma enorme grana na época, foi dividida entre as filhas e Mané Garrincha.
Ele recebeu cerca de 130 mil dólares, soma considerável, que torrou sem ver e sem saber.
Vários artistas participaram da preliminar do jogo principal que foi entre jogadores brasileiros e estrangeiros.
O time brasileiro foi formado por Félix; Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo, Rivelino e Paulo César; Garrincha, Jairzinho e Pelé. Aconteceram muitas substituições durante o jogo.
Era a Seleção de 1970, com Garrincha no lugar de Tostão que estava com fora dos gramados por causa de problemas na vista.
A Seleção Internacional tinha como atração o atacante argentino Brindisi, além do goleiro Andrada, Doval, Pedro Rocha, Forlan e Reyes que jogavam no futebol brasileiro.
Garrincha jogou por 30 minutos. Veja os principais lances no vídeo abaixo e atenção para o golaço de Pelé.
E o joão? Garrincha nunca chamou o marcador seu de joão. A expressão foi criação do jornalista Sandro Moreira, significando que todos os marcadores eram iguais: joão.
Garrincha detestava isso, pois dizia que seus marcadores, para não serem chamados de joão, apelavam para a violência.
Ele driblou muita gente na vida, muitos joões, mas não driblou o destino.
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Mario Marinho – É jornalista. Especializado em jornalismo esportivo foi durante muitos anos Editor de Esportes do Jornal da Tarde. Entre outros locais, Marinho trabalhou também no Estadão, em revistas da Editora Abril, nas rádios e TVs Gazeta e Record, na TV Bandeirantes, na TV Cultura, nas rádios 9 de Julho, Atual e Capital. Foi duas vezes presidente da Aceesp (Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo). Também é escritor. Tem publicados Velórios Inusitados e O Padre e a Partilha, além de participação em livros do setor esportivo
A COLUNA MÁRIO MARINHO É PUBLICADA TODAS AS SEGUNDAS E QUINTAS AQUI NO CHUMBO GORDO.
… e sempre que tiver alguma novidade extra!
Se me lembro?
Ora, meu jovem Marinho, sou do tempo em que ele, ali pelo meio dos anos 50, chegou a ser chamado Gualicho, logo no início da carreira, no Botafogo-RJ. Gualicho era, à época, um cavalo ganhador de Grandes Prêmios no turfe carioca da época. (Confira isto em publicações como Esporte Ilustrado, uma revista carioca que eu lia aqui no Recife).
Ninguém ainda o reconhecia como gênio (as torcidas vibravam, sim, e como, com seus dribles!) antes da Copa da Suécia, em 1958, quando, enfim, Vicente Feola substituiu Joel (ponta-direita do Flamengo, então titular) por ele (e Dida, que jogava no Flamengo, pelo adolescente Pelé, jogador do Santos), disso resultando a conquista da Jules Rimet.
E foi aí que sua maravilhosa habilidade acabou sendo mundialmente reconhecida.
Adorei sua bela recordação de Mané Garrincha.
Abraço de
Toinho Portela
Que bela lembrança…
Bela sacada…
Maurício Kubrusly
Boa, como sempre, caro Marinho!
Forte abraço.